Três vezes Mariana
Fazem três meses que meus seios não apertam os seios de Mariana. Três dias de sono quase tranquilo. Três horas sem nenhuma mensagem. Trinta minutos até que eu diga que não se passou um dia sequer.
Você ainda vem? Digito e apago outra vez. Hoje invento memórias mais do que tenho saudade. Ontem sonhei que ela ligava lá em casa. Minha mãe largava o pão com manteiga para atender e Mariana soprava baixinho que esqueci meu violão no sofá da sala. Falou que era minha namorada. Eu nem tenho violão. Acabei mandando a mensagem. Quero te ver, menina.
Eu queria voltar no tempo para te conhecer outras vezes
E reviver o mundo que explodia em meus olhos
A cada vez que eu descobria o prazer de te enxergar.
Outro dia pedi que ela fosse embora. Ainda estava deitada na banheira e eu dizendo que, por favor, já não aguentava mais aquela montanha-russa. O quarto todo molhado, não menos que Mariana. Sempre achei graça de ir ao motel. Aquela música alta, uma luz diferente, objetos estranhos nas prateleiras. E a inevitável banheira. Entrei pela primeira vez e nunca mais quis sair. A gente sempre se enroscava por lá. A Mariana gostava muito de dançar no quarto, mas eu nunca tive coragem de dançar pelada.
Cheguei tanto com o cabelo molhado em casa que acabei falando tudo pro Rafael. Ia conversar de qualquer jeito, fiquei remoendo a ideia por umas semanas só pra entender se era verdade mesmo. Eu te amo, cara. E fiquei louca por essa menina. Paixão mesmo, sabe? Queria até te apresentar, unir os dois mundos. Não aguento mais essa troca de personalidade, tem hora que quase esqueço meu nome. Vamos juntar tudo de uma vez. Eu falava e o gato miava sem parar lá na sala, farejou meu desespero, farejava todo dia. Pelo menos ele fez algum barulho na casa.
Eu queria enlaçar os dedos, enroscar os corpos,
Esquecer do tempo, perder a partida e repetir por infinitas vezes
o retrato da abertura do teu riso ao me encantar.
Três meses desde a primeira conversa na ponta da escada de uma sala escura em formato de palco. Uns seios macios que ocupavam as palmas da minha mão. Não tenho mãos tão grandes. Antes do beijo, os seios. O tapete amaciando os pés logo abaixo, bem quentes. O chuveiro fez um barulho desconcertante no quarto ao lado. Respiramos. Ela me olhava tão de perto que me soprava aquela respiração quente. E tremeu os lábios para dizer o que, afinal, não disse. Um silêncio bom, uma boca melhor ainda. Eu queria engolir a Mariana.
A falta de barulho quebrada apenas pela água no quarto ao lado e os corpos fazendo aquela fricção de peles na sala. A primeira vez de todas as coisas é cercada de um assombro terrível, quase insustentável. Ali, eu não sei de nada além de Mariana. E das vezes em que caminhamos tentando juntar as mãos ao longo da calçada. Não foram muitas. Ela quase esmaga os meus dedos. Aperta tão forte. Cada vez é como ultrapassar uma linha muito frouxa que amarra os olhos comuns que observam as cenas comuns de todos os dias. Eu me espanto quando penso em mim. Depois eu gosto.
Eu queria me esquecer do mundo e permanecer no instante
Pois quanto mais te amo, mais me inspira
E não sei ao certo dizer como sabes me despertar.
No primeiro dia nos sentamos em um bar movimentado. Escolhi uma mesa que escondesse o olhar dos homens. Uma pilastra velha ocupava o meu lado esquerdo. Um escudo. Tentamos manter a conversa sem receios. Meus lábios secaram a ponto de formar uma boca de um lábio só. O tempo aliviou as rédeas com a chegada de uma baiana simpática. Cesta de chocolate nas mãos, avental florido e a cestinha na mesa. Compramos três do bombom vermelho, com pimenta. Pimenta eu não gosto, mas acho que dessa vez eu gostei. Um paladar maleável, pronto para moldar a língua e as papilas ao sabor mais adequado a cada tempo.
A pimenta do chocolate ardia ao descer pela garganta. Queria que fosse você escorrendo por aqui. Quase disse, mas não é o tipo de coisa que se diz a uma amiga. Somos amigas, certo? A gente se apresenta assim. Abri outro chocolate para preencher a boca. Engolir palavras. Todas. Já não sei como dizer nenhuma. Mariana dirigia para casa enquanto reclamávamos do vazio noturno do que deveria ser uma capital agitada. Depois, o sofrimento imposto do convívio no elevador. Não sei para onde olho. Uma vermelhidão que começa no pescoço e aumenta a cada andar. Ah, não liga, é porque eu bebi.
E se eu der alguns passos tão distantes, não se importe
Guardo na boca o sabor doce e quase cítrico da saudade
E conto os dias para te ver chegar.
O filtro-dos-sonhos na porta, a casa com cheiro de incenso, mais três garrafas de cerveja e uma geladeira quase vazia. Tinha uma maçã mordida na porta, uma garrafa de suco, umas verduras que passaram do tempo. E os seios. Aquela descoberta quase adolescente ocupando toda a sala. Como é que a gente esperou tanto? Ofegantes, prolongamos o instante do primeiro toque. Depois, tudo era pressa. Vontade tamanha.
O barulho do chuveiro parou no quarto ao lado. A chave rodando e o som do trinco da porta. Escutei tudo, mas meu corpo fingiu que não ouvia. O Claudio entrou na sala e ficou olhando por uma eternidade. Eu não consegui dizer nada. Ninguém disse. Três bocas em silêncio. Três corpos aliviados.
Continuei o que tinha começado. O Rafael me deu um beijo enorme, olhou Mariana, que beijou o Rafael e todo mundo sempre soube o que fazer.
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