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Foto do escritorIsabella de Andrade

Teatro Oficina: O terreiro vivo de Zé Celso – Descobrindo São Paulo

Atualizado: 5 de fev. de 2021

Não somos corpos fixos, somos mutáveis. O terreiro criado por Zé Celso Martinez, no Teatro Oficina, se apoia fielmente nessa afirmação. Ao chegar nas imediações do teatro, localizado no emblemático Bairro do Bixiga, é possível sentir o cheiro de incenso que queima em algum lugar atras das portas ainda fechadas. Logo, o canto suave do coro, que parece aquecer a voz antes da encenação, acompanha a fila movimentada do lado de fora. O público se prepara para experimentar a apresentação de maneira participativa. Além de construir um novo corpo criativo em cena, incentivado pelas mãos do maestro e dramaturgo Zé Celso.


O palco passarela do Oficina


Enfim, tenho a sorte de entrar pela primeira vez no local para assistir a uma releitura do icônico espetáculo Roda Viva. A peça foi encenada originalmente em 1968. Escrito por Chico Buarque, o musical ganhou vida nos palcos há 50 anos. Por fim, ele marcou seu tempo como um espetáculo protesto, tendo sido proibido pela ditadura militar. Em 2018, a peça foi atualizada pelas mãos do experiente Zé Celso e sobe ao palco do Oficina com um forte elenco de atores jovens.


A experiência viva do Teatro Oficina


Ninguém passa imune ao Oficina. A presença cênica do coro, ponto vital e essencial da roda que gira no palco, transforma o coletivo em uma substância única, orgânica. Roda Viva mostra a ascensão e queda de um ídolo. Benedito Silva é artificialmente construído pelas mãos de um Anjo da Guarda, uma espécie de empresário particular do cantor.


A arquitetura do espaço, que em 2015 foi eleito, pelo jornal The Guardian, como o melhor teatro do mundo na categoria projeto arquitetônico, permite que o público viva a experiência cênica de diferentes ângulos e alturas. As arquibancadas se posicionam dos dois lados do palco em formato de passarela, e formam uma plataforma de três andares.

Eu pude assistir ao espetáculo do primeiro andar, frente a frente com os atores, e do último, observando de cima as formações cuidadosamente criadas para preencher todos os olhares. É bonito ver de cima as figuras criadas pelo coro. Assim como é uma delícia acompanhar de perto o olhar, sorriso e suor de cada integrante em cena.

Encontro entre tempos

A fachada do Teatro Oficina [Foto-Jennifer-glass]


Na montagem original de Roda Viva a potência da TV ganha destaque como principal motor de influência popular. Na releitura atual, influenciada pelo Brasil pós-eleições, a internet e as redes sociais entram em cena. Elas mostram seu protagonismo na construção de ídolos e mitos. O espetáculo mostra a fragilidade dos mitos e o quanto podem ser facilmente substituídos de seus simbólicos lugares de poder.


O grupo tem entre suas características essenciais utilizar a arte e o teatro para fazer o público pensar. Além de refletir e questionar questões sociais e políticas da sociedade em que vive. Vale lembrar que o Oficina, com sua reconhecida importância história para o teatro brasileiro, colocou-se ao longo dos anos, desde seu surgimento em 1958, como uma forte presença de efervescência e revitalização das artes cênicas no país. Zé Celso é o único remanescente da primeira leva de criadores da trupe.


Entre o rito e a criação


Zé Celso Martinez [Foto: reprodução internet]


O teatro se localiza em um espaço em diálogo constante com a comunidade ao redor. Enquanto as paredes de vidro transparecem a presença física e criativa do Oficina na cidade. Ao longo da montagem, o grupo aproveita-se do espaço externo para entradas, cenas e experimentos teatrais. Enquanto isso, o palco, em formato de passarela, transforma-se em espaço de rito e passagem para a narrativa, contada em músicas, palavras e corpos.

As cenas e interpretações são constantemente atualizadas, fortalecendo o diálogo com a sociedade atual.


O coro ganha ainda mais destaque durante as canções, que têm papel fundamental no texto. É lindo acompanhar a presença de corpos tão múltiplos em tamanho, gênero e cor no desfile das cenas. O púbico canta junto grande parte das músicas de Chico Buarque. Enfim, elas embalam a peça e colaboram com a narrativa que se alterna entre o protesto, a dor, o amor e a diversão.


Parte do espetáculo


Por fim, a sinceridade do sorriso e do olhar convidativo de cada ator nos mostram o quanto o trabalho cotidiano no Oficina cria uma atmosfera de rito sagrado para o fazer teatral. Para coroar a minha primeira experiência com o terreiro de Zé Celso recebo, ao fim do espetáculo, um bonito arranjo de flores de Clarice Johansson, atriz brasiliense de grande destaque

e força na montagem.


Em cena, Clarice fortalece o coro e interpreta diferentes personagens do cotidiano midiático contemporâneo. Como apresentadora de TV, a atriz gentilmente dá voz ao barato e superficial showbusiness. Por fim, a atriz mostra que o humor é uma ferramenta poderosa de diálogo social. Enquanto isso, seguro meu ramalhete amarelo.


“Dê flores aos vivos”, enfatiza a canção. Logo ao fim da montagem, junto-me à multidão que sobe ao palco para acompanhar o cortejo de encerramento. Juntos, caminhamos para o lado de fora do terreiro. Enfim, não sou público, sou parte do espetáculo.


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