Tatiana Lazzarotto e a costura sobre partidas
Atualizado: 9 de ago. de 2023
O livro da Tatiana é lindo, uma surpresa boa e gostosa pra enxergar mais de perto a perda. Terminei de ler exatamente no dia em que ele fazia um ano de publicação.
Um dos meus trechos favoritos do livro é o momento do encontro com a carta na gaveta. É o instante em que a personagem se depara com os segredos e as três tarefas deixadas especialmente para ela, pelo pai, ainda ante de partir. É nessa hora que pai e filha firmam uma cumplicidade ainda maior, já desenvolvida em vida, mas concretizada aqui na responsabilidade de dar continuidade ao que é mais importante.
Esse trecho também mostra muito do que a gente encontra em Quando as árvores morrem, envolto em memórias, laços refeitos, cenas revividas e um cheiro de lembrança viva que faz a gente visualizar cada cena com muita facilidade. É uma teia de memórias entrelaçadas pelo afeto, pelas partidas, pela concretude das árvores e pela vida inusitada daquela que é filha de quem todos gostariam de ser: do Papai Noel.
É lindo e muito emocionante perceber o amor pela escrita se formando nas primeiras cartinhas respondidas como ajudante do Noel, nas primeiras narrativas criadas para dialogar com crianças ávidas por acordar e ver que todos os desejos se tornaram realidade. E no livro a gente encontra justamente um tanto dessa sensação de sonho latente, se realizando um pouco nos dias e criando outro corpo na imaginação.
Consigo enxergar esse Papai Noel que também é só Pai e também mantém a cara de bom velhinho com um riso meio solto e um carisma fácil pra fazer amizade com tanta gente. Sempre admirei essa habilidade de fazer amigos, de saber conversar fácil e se fazer parte especial da vida do outro em poucos minutos. É assim que o enxerga durante a leitura, nessa imagem boa que se forma enquanto a Tati me conduzi com uma serenidade tão firme pelo luto, pela incerteza dos que ficam e pela vontade de eternizar em linha solta cada pedaço incrível daquela história.
Dei um riso gostoso com a cena da Tocha Olímpica, da música cinematográfica, da presença dos amigos pra concretizar de forma perfeita a cena criada na imaginação, da filha que me parecia rir um tanto incrédula enquanto se desdobrava pra fazer aqueles poucos segundos de passagem se tornarem eternos.
E assim foram.
O livro da Tatiana é lindo, uma surpresa boa e gostosa pra enxergar mais de perto a perda. Terminei de ler há um tempinho, exatamente no dia em que ele fazia um ano de publicação.
E vale cada instante da leitura. A edição bonita é da Claraboia.
ENTREVISTA COM A AUTORA
Pode me contar um pouquinho sobre como foi o processo de escrita do seu livro? Você se organiza? Acontece de forma mais solta?
Acho impossível escrever sem um mínimo de organização. Tanto no sentido de organizar meu tempo para sentar e consolidar a escrita no computador, como também organizar minhas referências, materiais de pesquisa e o próprio enredo. Para o livro, fiz isso de várias formas: anotações em cadernos, frases soltas em um grupo específico no WhatsApp, pastas no computador, até diagramas desenhados em folhas de papel.
Mas o meu processo de escrita teve um planejamento mais micro que macro. A história foi sendo contada à medida que eu escrevia. Assim, fui percorrendo com a personagem sua jornada de enfrentamento do luto e entendendo com ela quais memórias faziam sentido de serem costuradas à trama. Li um texto da Zadie Smith em que ela definia esse tipo de escritora/escritor como microgestora/microgestor e eu me encaixo na definição.
Como você busca a tal inspiração para a escrever?
Eu acredito muito no estado de escrita, uma expressão que roubo da Andréa del Fuego. Quando estamos abertas a escrever uma história, viramos um campo magnético, atraindo imagens, palavras, elementos que farão parte da obra. Esse estado de escrita me inspira a escrever, a tornar tudo isso realizável nas bocas e pernas das personagens. Também leio muito enquanto estou escrevendo, resposta óbvia, mas procuro não “estudar” os livros, e, sim, me entregar à história.
Outra inspiração são as viagens, minha escrita acontece em movimento. No deslocamento eu enxergo novos ritmos, novas possibilidades de texto e, principalmente, novas formas de existir. Conheço muita gente e costumo me relacionar de forma bastante aprofundada com todo mundo. Gosto de saber as trajetórias, os cacoetes, os detalhes de quem passa pelo meu caminho. Posso dizer que esse conjunto – as pessoas e suas histórias – são inspiração para a minha escrita.
Se você pudesse escolher uma frase ou um parágrafo do seu livro, qual seria?
Escolhi esse trecho da página 27. É uma filha tentando explicar o pai, no choque imediato de tê-lo perdido para sempre.
“Quando não havia trânsito ele criava, inflamava a roda da família para girar, ele no centro, compassando ao seu redor nossos espíritos circulares. Sua dança em torno do tempo se unia aos filhos, em qualquer lugar que estivéssemos. Em certos momentos, sua energia nos varria, branda, juntando folhas na calçada. Noutros, era chama. Meu pai intervinha em nossas partidas de baralho, se metia em nossas trincas, a fim de que as jogadas se completassem sem esforço. Sem ele, seríamos apenas cartas ordenadas em seus respectivos naipes, pessoas que acordam, tomam seu café e sucumbem, cada minuto um pouco. Nós éramos mais, porque pescávamos coringa. A existência do meu pai era nossa sorte”.
E, para quem está começando e quer saber o que fazer com o livro depois de escrito, me conta um pouco sobre como foi o seu caminho para a publicação?
Minha primeira recomendação é: se você quer publicar por uma editora, pesquise o mercado, entenda o perfil do seu livro e selecione editoras que tenham a ver com você e seu trabalho. A partir daí, acompanhe cada uma para entender qual é a melhor abordagem. Pode ser enviando seu original diretamente, ou mesmo participando de chamadas, conhecendo as/os editoras/es em feiras e eventos, etc. Há muitas formas.
Também recomendo pensar em editais culturais, que foi o meu caso. Inscrevi meu projeto no ProAC (edital cultural público do Estado de São Paulo) e fui contemplada, o que me abriu caminhos para escolher (ou ser escolhida) pela Editora Claraboia, que publicou o meu romance (também co-organizei na Claraboia o livro “Cartas de uma pandemia”, em 2021). A Claraboia é uma editora feita por mulheres e que só publica autoras, tenho um orgulho imenso de ter minha árvore neste catálogo.
Ter uma editora que acredita no seu trabalho ajuda DEMAIS a enfrentar o turbilhão de medos e inseguranças, comuns ao publicar um livro. Nada mais reconfortante do que ter alguém te ajudando a encontrar o chão. Portanto, escolha bem, peça referências, pesquise previamente como a editora trabalha, marque conversas/reuniões se tiver dúvidas. Isso ajuda a ter uma boa experiência.
Você divulga bem o seu livro nas redes. Como é esse processo pra você e como ele tem ajudado o seu livro a circular?
Obrigada! Acho que a primeira coisa é: não tenha vergonha de divulgar seu livro. Ninguém vai fazer isso melhor que você (e nem por você). Não há demérito algum nisso. O público leitor de uma escritora independente é formado inicialmente pela sua rede de amigos, familiares e conhecidos. Fortaleça essa galera, torça para que eles sejam embaixadores da sua obra - um boca a boca cheio de afeto é sucesso. Acho que meu livro ganhou muito com isso.
É comum não saber como divulgar seu livro, ou mesmo não ter tempo. Mas é importante perder a vergonha e priorizar sua carreira de escritora. Vale a pena arregaçar as mangas, pesquisar, pedir ajuda e também se inspirar em muita gente que vem fazendo um bom trabalho (sem copiar). A labuta é de formiguinha mesmo, não esmoreça.
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