Se Deus me chamar não vou, Mariana Carrara
Quanta solidão cabe no tempo de vida de uma criança? É o que tenta entender Maria Carmem que, aos 11 anos (12 no fim do livro), sabe que uma menina pode experimentar a vida de maneira muito mais solitária que qualquer velho.
Talvez, escrever um livro ajude a amenizar um pouco essa vontade de conversa. Assim, entre a distância de tudo o que constrói o seu pequeno cotidiano, Maria Carmem decide colocar no papel cada ponto da própria história. Tanta coisa cabe em um ano. E mais coisas ainda no ano da vida de uma menina.
Maria Carmem é menina cercada de silêncios. O silêncio dos pais, o vazio da escola, a falta de gente que entenda que uma menina grande demais pode querer alguma pequena conversa.
Tem o barulho dos vizinhos e a cabeça agitada de quem já entendeu que as palavras surgem para fazer uma sinfonia bem certa. Eu já fui um tanto de Maria Carmem. Criança grande, com vontade de dizer coisas tão grandes quanto eu. Mas a vida era ainda tão pequenina.
Narrando a própria história a menina vai nos mostrando o quanto já consegue entender da vida adulta, da ausência dos pais, da fome que faz ter vontade de escrever um livro. Não tem manuscrito nem papel, tudo ganha forma no computador.
E se todo mundo faz silêncio, uma professora decide acompanhar a história. Maria Carmem tem muita angústia e muita solidão. É tanta que quase nem cabe no peito, como as coisas amontoadas na loja de velhos. E sabe que quando a gente fica velhinho precisa reconstruir tantos pedaços que quase vira uma pessoa nova? Maria Carmem vai nos dizendo.
Mariana Carrara criou uma história divertida, leve, cheia de angústia e alguma tragédia. É uma delícia ler seu livros e manter os olhos atentos para o corpo e a experiência de uma criança. E é uma delícia maior ainda perceber a grandeza de ideias que circulam pelos olhos de uma menina que, pequena, já é tão grande.
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