Os Anos, Annie Ernaux
Esse foi o livro que escolhi levar da Flip do ano passado. E é o livro que me acompanha, já quase no fim, num reencontro com Paraty fora de seu tempo de festa. É muito simbólico estar com esse livro na mesma cidade em tempos tão diferentes, já que em Os Anos, Annie Ernaux atravessa justamente ele, o tempo. ⠀
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É o meu primeiro Ernaux e me surpreende o entrelaçamento entre particular e coletivo que Annie traçou pelas páginas. Uma escolha por caminhar entre o Eu e o Outro a partir do terreno da memória. E em meio a grandes acontecimentos, guerras, mudanças políticas, transformações sociais, misturam-se a descoberta do sexo, do amor, da casa, misturam-se as festas e as pequenas reuniões, mistura-se a um grande evento mundial aquela pequena tarde no carrossel do parque e o vinho comprado no supermercado. ⠀
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O Eu cotidiano transita pela imensidão coletiva numa costura frágil e permanente. Ernaux escolhe começar seu livro com a frase: "Todas as imagens vão desaparecer". ⠀
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Mas é justamente sua captura fotográfica da memória que marca todas as imagens no terreno do sempre. E caminhar pelas últimas páginas desse livro me aperta um pouco a garganta enquanto registro e deixo correr em sequência meus próprios pequenos fragmentos eternos e tão esquecíveis, meu próprio Eu raivoso ou mergulhado em amor transitando pela imensidão dos acontecimentos. ⠀
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Como no dia em que me fotografei na posse do presidente, ou o vinho que tomei pela primeira vez num terraço em São Paulo, ou quando peguei trânsito em uma manifestação em Brasília e o meu próprio olhar tão diferente pra tudo muito antes de morar em outra cidade. ⠀
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Annie conecta, com cuidado, o Ela ao Eu. É essa a costura mais difícil de entender. O ponto frouxo das linhas que vamos enlaçados nas próprias figuras de tempo. E ao redor tudo parece tão pequeno perto do gigantismo do que nos é mais próximo. ⠀
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Dá vontade de ler de novo pela primeira vez.⠀
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