Flip 2018: Literatura viva e experimentos poéticos à beira mar
Atualizado: 5 de fev. de 2021
Em 2018 pude me esbaldar pela primeira vez entre as ruas de pedras da famosa Flip 2018, a Festa literária internacional de Paraty. Com expectativa, preparei as malas para o encontro tão esperado. O primeiro encontro foi apaixonante. Nada mais digno do que me encontrar em um evento que se destacou pela presença forte e numerosa de escritoras contemporâneas talentosas.
A homenageada, Hilda Hilst, é conhecida pela criação poética que quebra com as expectativas do que se esperaria tradicionalmente, em outros tempos, de uma literatura produzida por mulheres. Hilda esteve à frente de seu tempo e ganhou destaque em um festa onde o protagonismo das programações paralelas foi imenso.
Nada poderia ser melhor do que saber que a abertura seria feita pela voz de Fernanda Montenegro. A minha primeira presença foi simbólica, além de realizar minha estreia como leitora apaixonada, eu participei de uma antologia poética lançada na Casa do Desejo, na Flip 2018, pela Editora Patuá.
O que marcou a edição e trouxe ainda mais charme para as ruas de Paraty foram, com certeza, as diversas casas da programação além da oficial. Pequenas editoras, mulheres, jovens, literatura contemporânea e viva, tal qual as águas do mar que cercam a cidade. Ali, entre as portas dos espaços históricos, uma profusão de escritores de hoje e amanhã. Gente do agora, palavras que surgem enquanto eu caminho pelas ruas.
O encanto da programação paralela da Flip 2018
(Foto: Isabella de Andrade) Bate papo “Você é o que lê”, com Maria Ribeiro, Xico Sá e Gregório Duvivier.
Por todos os cantos, saraus, rodas de conversa, risadas, oficinas. Uma lua enorme a nos cobrir a cabeça. Apaixonada que sou pelo mar, assim como pelos livros, dividi o meu pouco tempo entre a programação borbulhante da Flip e o sossego dos mares ao redor. Que delícia mergulhar nas praias de Trindade e vestir uma roupa ainda com os cabelos molhados para acompanhar o debate com Geovani Martins e o seu potente O sol na cabeça. Melhor ainda conhecer a Praia da Lula, Praia Vermelha, Ilha comprida e tirar a areia do corpo para acompanhar o papo despojado entre Xico Sá e Gregório Duvivier.
Na Flip 2018, desci do barco e, ainda cheia de sal, dei um abraço rápido no Eduardo Lacerda, que assumia todas as mil funções possíveis e inimagináveis para colocar de pé e em pleno andamento a Casa do Desejo, logo ao lado da Igrejinha. Pelas ruas, uma porção de pedras que tornavam mais difícil o caminhar e me obrigavam a andar devagar, deixando o olho descobrir a literatura viva em cada pedaço.
Literatura viva
(Foto: Isabella de Andrade) Pelas ruas de Paraty
Além disso, ali encontrei o que me encanta profundamente na literatura: sua possibilidade de viver e criar universos para além das páginas. Os livros, enquanto matéria e objeto de extremo apreço estavam lá. Eram acompanhados pela musicalidade, pelas conversas, pelo riso e pela poética solta aos quatro ventos que formam a Flip 2018. Impossível experimentar tudo, Paraty se transforma em um imenso e rico universo.
Mas foi bonito me deixar levar com calma entre a cidade. Teatro, Cinema na Praça, literatura para crianças e grandes clássicos. Tudo misturado e temperado pelos carrinhos de doce com uma queijadinha tão gostosa que vocês não podem imaginar.
Ao fim da noite, a música animada e os ares de Pub da movimentada Casa Folha movimentavam a cidade. Ou ainda, a enorme tenda musical comandada por uma imponente DJ fazia a trilha sonora. É que leitor também dança. E, nas horas vagas, transita animado pelos carrinhos de caipiroska, pastéis de 30cm e batidas de frutas.
(Foto: Isabella de Andrade) Espelhos da cidade
Por alguns dias, eu me esqueci, temporariamente e sem planejamento, quem eram os escritores mais badalados ou os grandes cânones. Eu me esqueci da busca pelo estilo, da métrica do poema e da escrita apurado. Em Paraty, eu só me lembrava da sensação viva de compartilhar o desejo por degustar boas histórias, experiências e leituras. Quero viver outras festas literárias tão vivas assim.
Em alta na Flip 2018
Por fim, os números marcaram mulheres entre as mais vendidas. O burburinho as consagrou com uma imensa quantidade de palmas a cada mesa e roda de conversa. Conservadorismo branco, racismo, feminicídio e as dificuldades de ser uma mulher negra. Simultaneamente, esses fora alguns temas que reverberaram entre a plateia que acompanhava a fala entorpecente de Djamila Ribeiro. Enfim, a poesia se destacava como um grito contra a opressão de um povo.
A grande homenageada da vez
Além disso, André Aciman e Leïla Slimani exaltaram a importância da liberdade para a criação literária na mesa Interdito. A ideia da linguagem como morada foi o fio condutor da mesa Minha casa, com Igiaba Scego e Fabio Pusterla. Enfim, cada um à sua maneira, os dois entendem a escrita como um ato político. Scego comentou a importância de entender a literatura como uma possibilidade de criar fronteiras que unem em vez de dividir.
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