O peso do pássaro morto – Resenha e olhares sobre a força poética de Aline Bei
Eu não sei quanto de perda cabe na vida da gente. Ou quanto de peso a gente perde e carrega a cada história. Enfim, Aline Bei parece ter descoberto. Ou ao menos, parece ter entendido a verdade das experiências e a cor da solidão que acompanha um corpo de mulher. A estrutura original, o gosto firme das palavras e a sonoridade das frases dão conta da história de uma vida inteira em O peso do pássaro morto.
O nome do livro me apareceu algumas vezes pela boca de escritoras que muito admiro. Logo depois, tive a sorte de estar em São Paulo no dia 30 de março, edição em que o projeto Leia Mulheres comemorava quatro anos de existência, anunciava a chegada de sua primeira coletânea e contava com a presença de Aline Bei.
Por fim, o espaço de encontro estava cheio. Naqueles tantos minutos nos sentimos em casa, fortes, acolhidas. Teve riso e choro. Compartilhamos histórias, lembramos as perdas, pincelamos algo de solidão. O Pássaro (como gosta de chama-lo Aline) é potente ao ponto de nos despertar uma empatia doce e melancólica pela trajetória de uma mulher sem nome. Apagada pelo próprio silêncio e pelos abusos que sofreu. Enfim, quantas vezes nos silenciamos frente ao impulso de não saber falar?
O peso do pássaro morto e a força da prosa poética
(…) “quase não sinto nada além de saudade, professora”.
Seu nome, aliás, parece não ser lembrado. Simultaneamente, é por essa ausência de memória que percebemos a sua solidão. Entre as páginas de O peso do pássaro morto, as primeiras perdas doloridas da infância. O desespero vazio e silencioso de um estupro. A imposição da maternidade física que não se permite criar laços. O vazio dos anos que passam e a presença de uma casa, que de tão próxima, tornou-se corpo.
A obra é o romance de estreia de Aline Bei e surpreende pela coragem da estrutura narrativa e por uma prosa poética que se equilibra entre a força e a leveza. O peso do pássaro morto nos cativa nas primeiras frases e o a relação da escritora com o teatro se torna nítida ainda mais nítida ao percebermos a sonoridade tão bonita que é criada para as palavras.
A protagonista queria voar, logo, ser aeromoça. Ao seu redor, fragmentos de personagens que passam quase brevemente, sem estreitar laços verdadeiros com o cotidiano silencioso da mulher. Um anonimato que foge às estatísticas.
Estrutura e experimentação
“ (ele apagou o cigarro no cinzeirovirou o rostobuscando a dona rosa que estava de costasfazendo feijão) – é uma Penamas eu não sei fazer a morteparar.”
As páginas são lidas com uma vontade constante de dizer em voz alta. Escuto a voz da personagem em cada etapa da vida e acompanho a maturidade que transcorre nos pequenos detalhes, dia após dia. Em primeira voz, a narradora cria um laço estreito com o leitor. São nove capítulos. Neles, acompanhamos diferentes idades da personagem: 8, 17, 18, 28, 37, 48, 49, 50 e 52 anos.
Os espaços vazios das páginas são ocupados pela respiração cadenciada do leitor, que se depara com uma linguagem delicada para mostrar o peso que se acumula sem fôlego ao longo dos dias. Cada frase, cada palavra merece uma atenção cuidadosa para absorver o enredo breve e cheio de significados.
Extra: Encontro com a autora e Leia Mulheres São Paulo
Aline Bei e eu, bem encantada
Foi em São Paulo que nasceu esse projeto tão querido e que tem me despertado tanto: o Leia Mulheres. Desde que o conheci, comecei a reparar mais minha estante, equilibrei propositalmente as leituras, descobri mulheres incríveis e intensifiquei a escrita sobre gênero.
Ter participado de uma edição tão cheia e bonita na cidade, com a presença tão cativante de Aline, me fez valer toda a viagem. Logo depois, ouvir outras mulheres contarem suas histórias de peito aberto me emocionou muito e me fez lembrar a força de literatura em criar laços, despertar empatia e vontade de mudança. Sim, é possível transformar histórias reais a partir do encontro profundo com histórias fictícias.
Como bem disse a autora, enfim, um pouco de nós vai junto a cada escrita. Desejos, memórias, cheiros, lembranças e sensações despertam o rio que corre entre a vida das personagens criadas. Definitivamente, a literatura é viva! Por fim, juntas, seguimos.
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