O corpo enquanto expressão fotográfica
Explorar as diferentes possibilidades do corpo, registrar o instante de encontro entre fotógrafo e fotografado, potencializar a personalidade e as sensações. São muitos os motivos e as formas possíveis para trabalhar a expressividade do corpo através da fotografia, despertando novas sensações e criando diálogos entre o público e o fotógrafo. Com um trabalho sensível e criado de acordo com as experiências pessoais de cada modelo retratado e suas potencialidades naquele instante, fotógrafos brasilienses como, Kazuo Okubo, Nelson Dantas, Diego Bresani e Pryscilla Dantas, expandem seus olhares para enxergar e criar imagens que contam histórias.
Tendo começado a fotografar em 1999, Diego Bressni começou a trabalhar profissionalmente com as câmeras em 2002 e, desde então, 18 anos se passaram. Suas referências e relações se modificaram enquanto mudava sua própria personalidade e vivia novas experiências. A paixão do retratista, que atualmente vive na França, é fotografar pessoas e mostrar suas experiências com o corpo, como ele fala na foto, que mensagens ele transmite. Formado em artes cênicas e envolvido com a dança, o fotógrafo encontra na expressão do corpo o link que conecta seus três universos de expressão criativa. Sua pesquisa é centrada na posição deste corpo na fotografia e o estranhamento que isso pode causar na imagem.
“Tenho críticas ao nu artístico como acontece atualmente, então tenho tentado buscar outro lugar. Acho que essa maneira de trabalhar o nu, com grande maioria das fotos sendo protagonizadas por mulheres brancas e magras, reproduz padrões machistas, gordofóbicos e preconceituosos”, afirma Bressani. Para ele, a criação atual seria feita através de um padrão que determina o que é belo e essa reprodução pode ser perigosa. “É possível sim trabalhar para quebrar esses padrões através da fotografia. Seria preciso pensar nas diferentes pessoas que podem ser fotografadas”.
Foto: Kazuo Okubo
Além disso, o retratista busca essa desconstrução de padrões através de novas formas de criar suas imagens, com mais imperfeições e estranhezas e menor quantidade de cliques. A ideia é experimentar fotos mais provocadoras, sem pensar apenas na beleza estética ou no enquadramento perfeito. “Virtuosismo fotográfico é um problema atualmente e tenho tentado sair um pouco desse lugar”. A nova proposta expressa seus desejos e anseios e pretende criar outros caminhos, esticar conceitos e novas possibilidades de como a imagem chega nas outras pessoas. Dando ênfase à vontade de tornar o processo fotográfico menos mecânico e mais transparente, Diego mostra as nuances do corpo através de um registro mais livre e fotografias que contam histórias não encerradas.
Enquanto isso, o veterano Kazuo Okubo, um dos expoentes da fotografia brasiliense, encontra beleza em diferentes tipos de corpos e acredita que esse conceito individual de beleza o instiga. Tendo crescido entre filmes e reveladores antigos, a paixão pela imagem veio desde a infância. Em seu trabalho autoral, o corpo nu é um dos pontos mais explorados. Entre corpos femininos, masculinos, gordos e magros, Okubo vê a fotografia como linguagem e o fotógrafo como pensador.
“Através das suas imagens ele pode fazer a leitura a partir dos seus pontos de vista. Cada um tem um conceito do que é bonito, da relatividade do bonito”.
Adepto da ideia de que os artistas criam quando estão sofrendo ou estão felizes, ele acredita que a intensidade dessas emoções impulsiona a força criativa em diferentes áreas, entre elas, a fotografia. O corpo é lembrado como algo íntimo e Kazuo conta que também passou pela experiência de ser fotografado nu. “Nos primeiros 5 minutos senti uma sensação terrível, uma coisa opressiva. Depois disso, foi tudo extremamente livre e natural”.
Expressão humana
Foto: Pryscilla Dantas
O fotógrafo brasiliense Nelson Dantas conta que sempre gostou de demonstrar a beleza humana em todas as suas possibilidades. Para ele, é importante deixar a imagem o mais real possível, com o mínimo possível de retoques. A ideia é mostrar que um corpo pode ser considerado belo de diferentes formas e trabalhar o conceito de aceitação através da fotografia. “É importante que haja uma confiança entre o fotógrafo e a pessoa que está sendo fotografada para que o resultado seja satisfatório para ambos. Acredito que há fotos em todos os lugares e momentos, mas é preciso que alguém as enxergue para capturar essa essência”. Desta maneira, seria possível que cada pessoa se enxergue através da imagem projetada pelas lentes do fotógrafo, sentindo-se bem entre suas próprias formas.
Foto: Pryscilla Dantas
A jovem Pryscilla Dantas iniciou seus experimentos na fotografia aos 15 anos e, atualmente com 25, gosta de pensar nas possibilidades de expressão de sensações através da fotografia e em características físicas que cada corpo mostraria em determinado estado. Para ela, trabalhar com o nu artístico é uma libertação, uma maneira de se despir de inseguranças e medos. “Fotografia para mim é sensibilidade, isso é algo que sempre busco nos meus trabalhos independente de tema”. Antes dos ensaios, a brasiliense busca criar um diálogo com seus modelos, criando intimidade para entender o momento em que se encontra cada pessoa e de que maneira este corpo se tornará mais expressivo.
Seu trabalho atual dá ênfase no emponderamento feminino. “Busco diferentes tipos de mulheres que se amam e se aceitam da forma como são. É um ato de coragem e muito inspirador”, afirma. Suas próprias vivências e questionamentos ganham espaço através do olhar fotográfico e, para ela, o importante é conseguir contar uma história através da imagem. Desta maneira, a fotografia se destaca como importante espaço criativo. Entre suas amplas possibilidades, pode ressaltar ou questionar padrões estéticos e diferenças entre os corpos, além de reforçar ou desconstruir o conceito do que é belo.
Foto: Diego Bresani
Pensando Fotografia – Confira aqui um pouco das entrevistas
(Com Pryscilla Dantas)
De que maneira você expressa seus próprios desejos, anseios e frustrações na fotografia? Esses pontos influenciam seu trabalho criativo? Influência muito! Sempre tento tirar proveito de situações difíceis e transformá-las em arte. Então além do meu olhar, acaba tendo muito das minhas vivências e dos meus questionamentos nos meus projetos e retratos. Quando conseguimos contar uma história através de uma imagem e da expressão de uma pessoa, algo mágico aconteceu ali. Sair do óbvio, desconstruir… A fotografia pode ser um ato político quando usado da forma certa.
( Com Nelson Dantas)
Seus trabalhos fotográficos têm a característica de expressar diferentes facetas do corpo humano, de que maneira o corpo pode se expressar através da fotografia e com surgiu o seu interesse por este ponto específico?
Sempre gostei de demonstrar a beleza humana de todas as maneiras possíveis, mas com ênfase no corpo de verdade. Só uso photoshop em casos extremos: em uma espinha, mancha ou algo que não faça parte do dia-a-dia da modelo. Gosto de demonstrar que um corpo não precisa estar malhado e definido para ser admirado e considerado belo. Gordurinhas, celulites e estrias, que geralmente são vistas como defeitos pela sociedade, trazem um tipo de beleza real, verdadeiro. Precisamos trabalhar a aceitação nas pessoas e procuro demonstrar para as elas que elas são lindas da forma que são.
A nudez sempre foi muito normal na minha vida. Desde pequeno, por volta dos 10 anos, ganhava revistas de mulheres nuas do meu avô, tio, colega de trabalho da minha mãe. Ficava maravilhado com as fotos, os lugares, as expressões de cada modelo. Ali, sempre via muito além de um corpo nu. Naquela época eu já sonhava em trabalhar com fotografia sensual, mas achava que era impossível, pois era o sonho de qualquer pessoa da minha idade.
É possível utilizar a fotografia para tratar a diversidade corporal e outros temas mais complexos? A fotografia pode também ser uma forma de protesto?
Normalmente as pessoas se olham no espelho e procuram diretamente os defeitos. Mas quando se enxergam através de uma boa fotografia, percebem que são muito mais do que isso, não importando se são gordas ou magras, altas ou baixas. É de suma importância que as pessoas se sintam bem, mesmo sem ter aquele corpo considerado “perfeito”. O papel do fotógrafo é fazer a modelo se sentir bem.
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