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Foto do escritorIsabella de Andrade

Muriel Barbery: A elegância do Ouriço – Sensações literárias (e resenhas)

“Pois a arte é a vida, mas num outro ritmo”. (p. 163), Muriel Barbery.

A escrita leve e refinada de Muriel Barbery me pegou de surpresa e seu segundo livro, A elegância do ouriço, entrou para a minha lista de leituras mais gostosas de fazer. Encontrei a capa por acaso, durante um passeio sem rumo na livraria. Eu me lembrava de ouvir o título anteriormente e fui rapidamente tragada pelas possibilidades da história: uma elegante zeladora que protege um espaço interior de devoção à arte e à literatura.

Na quarta capa, o arremate final para me conduzir à leitura: “A elegância do ouriço conduz seus personagens e seus leitores às questões que nenhuma vida vivida a fundo deveria evitar – o tempo, e a eternidade, a justiça e a beleza, a arte e o amor”.

A tradução bem trabalhada de Rosa Freire d’Aguiar nos conduz de maneira irresistível entre as páginas, que guardam a escolha cuidadosa de palavras feita por Muriel Barbery. O ritmo e a fluidez me encantam. Ao longo da narrativa, duas vozes se alternam para contar a história, completando uma estrutura de livro que muito me agrada.

Duas personagens distintas contam ao leitor sua versão da história e nos encontramos com a possibilidade de dois olhares: o da criança (Paloma Josse) que não quer fazer parte do pavoroso mundo adulto que a cerca e o da mulher adulta (Renée) que se agarra ao prazer das ideias e da fluidez artística para sobreviver em um mundo hostil.

 Muriel Barbery e a poética do cotidiano

“Então inventamos a arte, esse outro processo dos animais que somos, a fim de que nossa espécie sobreviva”. (p.266)

Renée é concierge no movimentado e refinado edifício do número 7 da Rua de Grenele, um prédio luxuoso que abriga os pensamentos e conflitos de uma gente rica, tradicional e decorosa. Para proteger seu rico universo intelectual de leituras e conhecimento, Renée disfarça-se cotidianamente de mulher ignorante. Em sua superfície externa, a concierge parisiense se define como uma simples viúva, baixinha, feia e gordinha.

O estereótipo da mulher rabugenta e insignificante que perambula entre a elite pensadora de Paris. Enquanto leitores, guardamos seu refinado segredo: Renée se deleita com filmes clássicos, gosta de escutar Mozart e lê pensadores como Marx e Hussel. Aqui nos deparamos com um dos embates criados por Muriel Barbery:  Renée realmente se esconde em seu pequeno quarto e fortaleza ou apenas torna-se invisível aos olhos dos moradores de um edifício tão luxuoso, que se nega e enxergar de maneira profunda e não trivial uma simples concierge?

Para Renée aprendeu tudo sozinha, e nos conta: “Aprendi a ler sem ninguém saber. A professora ainda repetia as letras para as outras crianças, e eu já conhecia a solidariedade que tece os sinais escritos. A criança fraca se torna uma alma faminta”. A arte é tudo o que lhe resta e é onde encontra uma fuga para o determinismo social e o destino biológico.

As transições da infância

O livro deu origem a um filme belo e delicado


Sua voz alterna-se no livro com a da menina Paloma, que aos doze anos, formula pensamentos mórbidos impulsionados por sua inteligência superdotada. Ela planeja se matar em seu aniversário de 13 anos, recusando-se a entrar para o mundo adulto tão cruel e frívolo que lhe parece vazio e insuportável. Com uma mãe dondoca, uma irmã autoritária e temperamental e um pai que se mostra como político covarde, Paloma se mostra esgotada de sua própria realidade.

“Fico pensando se não seria mais simples ensinar desde o início às crianças que a vida é absurda. Isso privaria a infância de alguns bons momentos, mas faria o adulto ganhar um tempo considerável”. (p. 20) Para aplacar o vazio, Paloma escreve seus pensamentos profundos em um diário e observações acerca dos movimentos do mundo.

Ambas, a mulher e a menina, encontram-se deslocadas em suas próprias realidades e cria uma espécie de universo paralelo e interior para dialogar com o cotidiano. Muriel alterna a narrativa com pensamentos filosóficos de maneira acessível e o gosto artístico de Renée aliados à curiosidade implacável e inteligente de Paloma, nos presenteiam com uma leitura deliciosa.

Relações sociais

A menina é, aliás, a única moradora do luxuoso edifício que consegue enxergar a concierge em seu cotidiano de trabalho. A questão de classes, as relações entre opressor e oprimido, são constantemente  trabalhadas na obra.

“Não tenha medo Renée (…). Pois, por você, de agora em diante perseguirei os sempre no nunca. A beleza neste mundo”.

Para completar o fiel encontro entre Renée e Paloma, que desenvolvem uma amizade com artes de fuga da realidade, a narrativa avança com a chegada de Kakuro Ozu, um japonês que se muda para o edifício parisiense. Em seu primeiro encontro com Ozu, Paloma compreende sua presença diferenciada entre o mundo dos adultos. “É a primeira vez que encontro alguém que procura as pessoas e que vê além (…) De meu lado, suplico ao destino que me conceda a chance de ver além de mim mesma e encontrar alguém”. (p. 154)

O súbito encontro entre os três produz uma amizade que os enriquece e transforma. A sensação de pertencimento, o entendimento de reconhecer-se no outro. A certeza de que a solidão pode ser aplacada por algumas palavras levemente dialogadas. O livro de Muriel Barbery me encanta pelas personagens femininas, pela narrativa que emociona e faz pensar. Como bem nos lembra Paloma, em um de seus pensamentos profundos:

“Vou dizer uma banalidade, mas a inteligência, em si, não tem nenhum valor e nenhum interesse. Muitos homens inteligentes tem uma espécie de bug: consideram a inteligência como um fim. E, quanto a inteligência se considera um objetivo, funciona estranhamente: a prova de que existe não reside na engenhosidade e na simplicidade do que produz, mas na obscuridade de sua expressão”. (p.177)

Renée encontra sentido entre seus livros e a beleza que existe nas coisas


 

O filme

O livro deu origem ao filme O porco espinho (Le Hérisson, França, 2010), que se reproduz com diálogos tão bonitos quanto os da obra literária. É uma comédia dramática. Tal qual o livro, explora o amor, a solidão, o tédio, os encontros e a morte.

Sinopse do filme

Paloma decide que tentará suicídio quando completar 12 anos. Porém, enquanto seu aniversário não chega, ela conhece espíritos que a mostrarão uma visão diferente da vida.



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