Memória de Ninguém, Helena Machado
Eu andava meio desconcentrada com a leitura. Queria um livro certeiro pra retomar esse espaço. E lembrei desse aqui, que eu tanto ouvi na voz da Helena enquanto a gente fazia aula de escrita no meio daquele 2020 e a vida dava cambalhotas do lado de fora. E me lembrei que o pouco que eu conhecia dele já me capturada tão fácil que haveria de ser assim com o resto. Mas não imaginei que seria tanto. ⠀
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"Memória de ninguém" é desses livros em que o ritmo pega a gente na batida certa e o fluxo de escrita da Helena, uma falta de respiro de quem tem pressa, e a cabeça meio desgovernada meio ansiosa e meio desejável dessa protagonista se parece tanto com o ritmo de funcionamento da minha cabeça que eu tive aquela sensação boa de que o livro poderia ter sido escrito por mim e veio a sensação melhor ainda de escrever e querer ler tudo com um caderno do lado.
O fluxo de escrita desaguando tal e qual pernas magrinhas em ponto de corrida em plena maratona e a falta de vírgulas dando nó na garganta marcam o jeito de levar a gente pela narrativa assim meio atravessada pelo susto.
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Helena parte do luto pra mergulhar nas obsessões da memória que, como ela mesma diz, atropela. Não se trata de vasculhar coisa alguma, mas de desenrolar o fio do tempo de antes que se entrelaça com tanta força ao tempo de agora que é impossível dizer quanto do passado é herança e quanto é parte rasgada da própria pele e do impulso das compulsões. Toda compulsão tem um fio. E Helena vai transitando pelo início e o fim das coisas mostrando o quanto nosso olhar de gente grande é mapeado pelo olhinho enfeitiçado de antes, quando tudo era futuro. ⠀
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E o luto vai se entrelaçando a essa experiência constante de solidão. A gente vive mesmo por quem? ⠀
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"Quando a gente cresce as coisas diminuem. É esse o problema: perder a grandeza de quando se é pequeno". ⠀
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Mas essa "coisa umbiguenta" de reviver o passado é parte do trajeto de experimentar os próprios recomeços, lutos e partidas. Um dia muda todo o percurso.
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Me vi tanto. E esse livro me deixou apaziguar tanta coisa.
Por isso sou tão apaixonada por literatura. ⠀