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Foto do escritorIsabella de Andrade

Memória de Ninguém, Helena Machado

Eu andava meio desconcentrada com a leitura. Queria um livro certeiro pra retomar esse espaço. E lembrei desse aqui, que eu tanto ouvi na voz da Helena enquanto a gente fazia aula de escrita no meio daquele 2020 e a vida dava cambalhotas do lado de fora. E me lembrei que o pouco que eu conhecia dele já me capturada tão fácil que haveria de ser assim com o resto. Mas não imaginei que seria tanto. ⠀

"Memória de ninguém" é desses livros em que o ritmo pega a gente na batida certa e o fluxo de escrita da Helena, uma falta de respiro de quem tem pressa, e a cabeça meio desgovernada meio ansiosa e meio desejável dessa protagonista se parece tanto com o ritmo de funcionamento da minha cabeça que eu tive aquela sensação boa de que o livro poderia ter sido escrito por mim e veio a sensação melhor ainda de escrever e querer ler tudo com um caderno do lado.


O fluxo de escrita desaguando tal e qual pernas magrinhas em ponto de corrida em plena maratona e a falta de vírgulas dando nó na garganta marcam o jeito de levar a gente pela narrativa assim meio atravessada pelo susto.

Helena parte do luto pra mergulhar nas obsessões da memória que, como ela mesma diz, atropela. Não se trata de vasculhar coisa alguma, mas de desenrolar o fio do tempo de antes que se entrelaça com tanta força ao tempo de agora que é impossível dizer quanto do passado é herança e quanto é parte rasgada da própria pele e do impulso das compulsões. Toda compulsão tem um fio. E Helena vai transitando pelo início e o fim das coisas mostrando o quanto nosso olhar de gente grande é mapeado pelo olhinho enfeitiçado de antes, quando tudo era futuro. ⠀

E o luto vai se entrelaçando a essa experiência constante de solidão. A gente vive mesmo por quem? ⠀

"Quando a gente cresce as coisas diminuem. É esse o problema: perder a grandeza de quando se é pequeno". ⠀

Mas essa "coisa umbiguenta" de reviver o passado é parte do trajeto de experimentar os próprios recomeços, lutos e partidas. Um dia muda todo o percurso.

Me vi tanto. E esse livro me deixou apaziguar tanta coisa.

Por isso sou tão apaixonada por literatura. ⠀

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