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Foto do escritorIsabella de Andrade

Meimei Bastos, poeta brasiliense, lança livro inspirado no cotidiano das periferias



Adoramos trazer mulheres incríveis para as páginas do oCiclorama. Falar do lançamento de Um verso e Mei, de Meimei Bastos, é deixar um pouco se levar pela certeza da poética cotidiana. Com o livro em punhos e o olhar em fúria, Meimei mostra a poesia que percorre as calçadas, salta pelos becos, grita um tanto a verdade e se faz presente entre os dias.


A jovem autora de Samambaia leva na bagagem a certeza de que, para escrever, é preciso resistir. Não há meio termo, meios esforços ou meia verdade àqueles que criam entre as ruas da quebrada.


Eu pude me esbarrar com Meimei pelos corredores agitados e sempre recheados de gente criativa do prédio de vidro das Artes Cênicas. A tal Universidade de Brasília faz fritar os miolos mas nos desperta algo de força na vontade de produzir. A poeta passeava por ali com a filha no colo, ensaiava algumas cenas, frequentava as salas de aula e se preparava para as páginas que seriam preenchidas logo a seguir.




Solto um sorriso com o reconhecimento que me percorre a pele. Dividir o tempo do trabalho e da preparação acadêmica com a vontade de multiplicar o tempo livre apenas para mergulhar um pouco mais entre as rimas e as letras. A poesia, pelas mãos e bocas de Meimei, ganha ares de luta, de sonho e de vontades. Não só de amores vivem os versos, mas também de pedras, corpos e mãos suadas.

Meu livro é uma reverência à quebrada, às pessoas que fazem e vivem ela. Uma narrativa poética escrita pelas mãos de alguém que veio dela e por quem morre de amores por ela.

Atualmente, Meimei é coordenadora do Slam Q’brada, uma batalha de poesia falada itinerante, que ocorre mensalmente em diferentes regiões administrativas do DF. A menina de Samambaia participou anteriormente de uma coletânea e agora preenche as páginas todas com a própria voz. É tempo de mulheres fortes.


Aproveita e confere aqui essa entrevista cheia de lírica da Meimei



Como foi o seu percurso poético até chegar ao lançamento de Um verso e Mei?


Meu processo de alfabetização foi precoce, aprendi a ler e a escrever muito pequena, mas antes disso, já gostava de ouvir e contar histórias. Passava o dia inteiro esperando dar à noitinha pra ouvir as histórias que vinham da minha vó Neuza, da minha tia-avó Bózinha, dos meus pais, das minhas tias ou de alguma daquelas mulheres que moravam perto da nossa casa. Nessa época, a cidade ainda estava começando, não tinha asfalto, luz ou água encanada, mas tinha o costume de uma vizinha vigiar os filhos da outra.

Numa dessas, eu aproveitava e pedia pra vizinha me contar uma história, ou nem pedia, a maioria das vezes, elas vinham/vem assim de bom grado. Acho que algumas histórias só procuram alguém que queiram ouvi-las de verdade. Enfim, meu percurso poético e literário, tanto como leitora, quanto escritora, começa ouvindo essas mulheres. Não existiria este livro se não fosse por elas.

A conexão com as palavras


A palavra sempre esteve comigo, tenho uma conexão fortíssima com ela em todas as suas manifestações. É ela, o meu arco, a minha flecha e o meu escudo. Quando descobri a palavra escrita, foi a.que.la – fes.ta (lê-se como uma criança recém alfabetizada. Risos). Descobri outro mundo. Lia tudo, escrevia para todo mundo. Bilhetes, cartinhas, minhas histórias invetadas.

Lembro que quando estava na antiga 4° série, ganhei um concurso de redação da escola e fiquei morrendo de alegria. Foi nessa época que comecei a passar os recreios/intervalos na biblioteca. Na minha adolescência, período complicado da minha vida, por diversos motivos, fui me perdendo da biblioteca, mas sem me separar da leitura e da escrita. Isso, nunca. Guardo os meus escritos dessa época até hoje.

Muito tempo sem ter coragem de mostrar para outros o que escrevia, até que numa oficina de Teatro que fiz, usei um texto meu, o R.G, que escrevi em memória de Claudia da Silva Ferreira, mulher, negra, mãe, trabalhadora, moradora da favela assassinada pela PM do Rio de Janeiro.



Quando acabei minha performance poética, a plateia estava imóvel e muda. Nesse dia, vi o impacto da minha escrita. Depois, passei a apresentar essa performance e a recitar em vários saraus das quebradas do DF. (Meimei)

O início da circulação na cidade


Já fui piolho de sarau. Hoje, é que estou mais faltante. Mas isso, tem dedo do Slam. Em 2015, tive o meu primeiro contato com o Slam. Nesse mesmo ano, fui representante do DF no Campeonato de Poesia Falada – SLAM BR. Foi uma experiência incrível! Quando vi, tava organizando encontros de poesia falada. Atualmente, coordeno o Slam Q’brada, que ano passado foi o representante do DF, no BR.


Tive experiências importantíssimas, como participar da III Jornada literária de autoria negra: percursos contemporâneos, organizada pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, que foi quando me dei conta do compromisso real com a escrita e que devia isso aos meus.

O livro, veio de todas essas vivências, desse desejo de devolver a palavra aos que por muito tempo não existiram nela. Foi uma caminhada longa, por conta dos tropeços nas pedrinhas da falta de espaço que existe para as mulheres, especialmente as negras, no mercado editoral.

Pelas demandas diversas da vida de mulher (mãe, trabalhadora, estudante). Pela insegurança decorrente do racismo, do machismo estrutural e da origem periférica, que por muitas vezes, quase me convenceram de que não seria possível, pra mim, publicar um livro.

Felizmente, vencemos todos eles e aqui estamos, publicados. (Meimei)

A edição impressa




Um verso e Mei, veio pela Editora Malê, aos cuidados do querido editor, Vagner Amaro. As fotos, são cliques sensíveis da aliada, Amanda Antunes e, as ilustrações das mãos mestras do irmão, Hudson Dias. Com a honra e alegria de ser sustentado e apresentado pelas mãos das mulheres-força, Cristiane Sobral e Vanessa Dourado.


É um livro de muitas mãos, mães e corações, com dedos de Bruna Paiva de Lucena, Larissa Delfante e Marcelo Manzatti, que me ajudaram e cuidaram de tantas formas. Até aqui, ele é TODO sonho.


O que te inspira na hora da escrita?

O real me inspira, me emociona. Escrevo sobre o real. O real pra mim, é o levantar cedo, arrumar minha filha para o dia dela, pegar o ônibus já lotado, dar aula e a noite ir para faculdade. Escrevo sobre o cotidiano desses lugares que transito, dessas pessoas com quem cruzo. Escrevo durante esses cruzamentos. Tudo isso é captado de um jeito lindo pelo meu corpo e transformado em poesia.


Transformação literária




Acha que o lançamento do seu livro pode ajudar a abrir portas para poetas da periferia do DF?

Publicar o livro, tem dessa coragem de acreditar que ele pode trazer outra perspectiva para e sobre a periferia. Quebrar com esse estigma marginal e criminoso que foi imposto à nós, de que aqui, só se cria bandido. Essa é a maior mentira que nos contaram e, o triste é que alguns aqui, também creem nisso. Nos fazem crer que não somos capazes, que não somos bons. Quando a verdade é que precisam de nós para tudo. É um olhar pra dentro com carinho.


O que você gosta de ler? Algum autor ou autora te motivou de maneira mais forte a se tornar poeta?

Tem coisa que a gente lê, que mexe inteiro com a gente, tem coisa que não. Gosto de ler o que me mexe, o que me tira do ‘Eixo’. Ultimamente, tenho lido muitas autoras negras, acabei de ler ‘Olhos D’Água’, da Conceição Evaristo e estou toda mexida. Risos. Lembro da primeira vez que a palavra escrita me revirou. Eu estava folheando um livro didático de Português e nas mudanças de um capítulo para o outro, tinha trechos de textos e poesias.


Eu me recordo como se fosse agora, o trecho que li era de ‘Carinhoso’ do Pixinguinha e do João de Barro. Aquilo mexeu comigo de um jeito, achei tão lindo, tão triste. Foi ali que entrei no estado de poesia. Foi aí que me entreguei, felizmente.

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