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Foto do escritorIsabella de Andrade

Kintsugi, 100 Memórias – Quanto do passado inventamos para viver o futuro?

Quantos universos podem se desprender de um mesmo fato? Quando de aprendizado o presente pode evocar da memória? A partir de uma narrativa não linear e autoficcional, o grupo Lume Teatro, há mais de três décadas na estrada, se encontra em cena para reviver sua própria história no espetáculo Kintsugi, 100 memórias. De maneira delicada e sutil, os atores levam suas lembranças para a cena em um emaranhado de ideias, medos, risos e reflexões. A partir da essência do indivíduo, é possível acompanhar as possibilidades de recordação e esquecimento coletivo de um grupo e, por que não, de um país.

De Campinas, o Lume desenvolve há 34 anos uma reconhecida pesquisa sobre o trabalho de ator enquanto corpo, reflexão e memória. Enfim, diferentes interpretações sobre um mesmo fato se desenrolam de maneira agressiva, apática ou poética. Em cena, os atores-criadores Ana Cristina Colla, Jesser de Souza, Raquel Scotti Hirson e Renato Ferracini relembram um tumultuado jantar abastecido por sushis e sashimis em 2009.

Assim sendo, a narrativa autoficional de Kintsugi abre espaço para a dúvida e o questionamento. A história é real? Existe uma versão certa dos fatos? A lembrança foi inventada? Afinal, quantas lembranças somos capazes de reviver e reinventar? O episódio é narrado em diferentes versões, mostrando o quanto um fato pode se desenrolar de maneira distinta a partir de diferentes olhares. Entre as versões da história, uma teia de lembranças preenche o palco. Objetos, símbolos e cartas se acumulam para mostrar as curvas, erros e acertos de cada caminho.

Kintsugi – Cicatrizes e histórias

No início da peça, um vaso é quebrado. Ao longo do espetáculo o grupo mostra com clareza o significado de kintsugi, palavra japonesa que significa emenda com ouro. Os atores se revezam para reconstruir o objeto, que ganha mais valor ao mostrar com evidência suas cicatrizes e memórias. No palco, um caminho de lembranças é criado pelo emaranhado de objetos expostos. Cada um dos pequenos detalhes cênicos tem sua história contada por um dos integrantes do grupo, que mostram o quanto suas narrativas pessoais se mesclam com o resultado criativo proposto.


O figurino é simples, com roupas cotidianas dos integrantes. A proposta combina perfeitamente com a ideia de ausência de personagens. Do mesmo modo, com o cenário criado vagarosamente pelos objetos trazidos um a um para a cena. A reflexão proposta é forte e, pouco a pouco, é possível entender o quanto somos resultado de pequenas, frágeis ou potentes experiências. Enfim, Kintsugi valoriza as marcas e não busca apaga-las.

O espetáculo

Os textos de Kintsugi são do premiado dramaturgo Pedro Kosovski, com direção do argentino Emílio García Wehbi. Confrontar a questão da memória torna-se urgente em uma sociedade que parece esquecer-se de seu próprio passado. O grupo passou cerca de cinco anos investigando as possibilidades criativas a partir da memória. Por fim, o resultado é um exercício cênico delicado, que passa por descobertas individuais e processos de esquecimento externos, como no caso de pacientes com mal de Alzheimer.

A pesquisa que levou o LUME Teatro ao espetáculo vem sendo desenvolvida há alguns anos, quando a atriz Ana Cristina Colla se deparou com uma matéria sobre a cidade de Angostura, na Colômbia, onde mais de 12% dos cerca de 12 mil habitantes têm uma mutação genética que leva a um tipo raro e precoce do Alzheimer. Por fim, a memória parece permear diferentes espetáculos criados pelo grupo.

As memórias parecem criar a sensação constante de algo que já não pode mais existir. Passado, presente e futuro se enroscam em busca de uma reflexão que nos aponte alguma espécie de norte. A peça se aproxima do momento atual vivido pelo país. Enfim, ela evoca a falta de memória de impasses e rupturas coletivas para questionar: Como pudemos esquecer?  Por fim, um suspiro. Que delícia é ver o Lume em cena pela primeira vez.

 

Serviço

Espetáculo: Kintsugi, 100 memórias

Temporada: De 24 de maio a 23 de junho

Horários: Quinta-feira a sábado, às 21h e domingo e feriados, às 18h.

Ingresso: R$ 30,00 (inteira); R$ 15,00 (meia: estudante, servidor de escola pública, + 60 anos, aposentados e pessoas com deficiência); R$ 9,00 (credencial plena: trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes).

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