top of page
Foto do escritorIsabella de Andrade

Hipster do Interior – Descobrindo São Paulo

Atualizado: 5 de fev. de 2021



Ter uma nova cidade é ter tantas caras novas e tantas cidades em uma que dá vontade de fazer um silêncio enorme só para observar. Ter uma cidade nova, que seja São Paulo, é aprender a caminhar entre o emaranhado de pernas da Paulista e observar as luzes de todos os cantos enquanto se leva algum esbarrão. “Desculpa”. É que às vezes ando e sei que não peguei o ritmo certo. Por fim, estudo por um tanto, curso, oficina, palestra, museu, me esparramo.


Mais tarde o metrô, ler um pouco enquanto as janelas correm e a criança ao lado pede bolacha (ou biscoito, nunca sei). Aos poucos a casa cria jeito de casa, o bairro ganha jeito de meu. Ladeiras e calçadas tortas, algum peixe e legumes no mercado da esquina. As compras em casa, o livro na mochila, outra vez o metrô. Nos horários de pico, que parecem ser todos os horários, o caos familiar e cotidiano.


Viver em São Paulo pode ser, talvez, acostumar-se ao emaranhado de rostos, luzes e telas da Paulista. De onde sai tanta gente? Enfim, um grupo de adolescentes passa aos gritos em seus uniformes, uma moça de cabelos perfeitamente alinhados surpreende em passos firmes às 18h, um homem velho permanece sentado em um canto de escada qualquer. Os olhos, dois vazios na imensidão. Caminho em passos curtos e sei que em ritmo mais lento que a multidão ao redor.


Curvas frenéticas de São Paulo


Constantemente me perco ao atravessar as ruas retas e curvas, frenéticas. Descubro, na prática, que a faixa de pedestres não serve para mais que colorir o espaço da travessia. Tento manter os pés mais rápidos e, se não sou quase atropelada por algum carro que faz a curva na direção oposta, me atropelo eu mesma em algum esbarrão na próxima calçada. Logo, entre ruas frias e pinturas amarelas, me misturo entre corpos, mergulho no barulho e avanço quase invisível na imensidão.


Atravessar a Paulista, ainda que um sonho, é um turbilhão. “Você vai parecer uma menina do interior”. Bobagem. Afinal, nasci e cresci na planejada e muito bem organizada capital do país. Bairrismos à parte, é preciso lembrar que Brasília e seu tão imaculado quadradinho do Distrito Federal, ficam mesmo é no interior de Goiás. Nas ruas sem esquinas: prédios baixos, um tanto de música sertaneja e churrasco para entreter os domingos. Deixo-me levar pelo deslumbramento e a cidade grande (me resignei a chamá-la assim) se apresenta sem meios-termos.


Alguns refúgios no meio do caos. Meto os olhos logo ao lado e, em frente a um jardim delicado de flores muito bem abertas e um tanto coloridas, figura a arquitetura antiga da Casa das Rosas. Por dentro, algumas tantas palavras escritas e expostas. Um banheiro enorme, único, sem precedentes. Utilizo apenas pelo prazer da sensação de satisfazer as necessidades em uma casa com ares coloniais. Na livraria, o motivo da travessia: um volume de Mulheres Poéticas – A poesia no Cárcere, edição da Giostri, disponível apenas naquele espaço. Coloco meu exemplar entre os braços, embrulhado para presente em papel verde estampado, e retomo a caminhada.


Rua Augusta


Mais alguns metro de Avenida para encontrar a curva à esquerda que desemboca na badalada Rua Augusta. No clichê noturno de seus bares me espera Francisco, metido a poeta das ruas e pesquisador da escrita feita a partir de situações extremas, como a invisibilidade das ruas ou a loucura do cárcere. É para ele o exemplar embalado sob os braços. Outra vez o mar de gente, talvez eu me acostume algum dia. Na rua, a voz soa um pouco mais alto: “Vai parecer uma menina de interior”.


Lanço-me sem cuidado às calçadas que emanam bohemia e um desfile de corpos fashionistas. Foi aqui que nasceu o termo hipster? Tenho certeza. Esqueço-me por alguns instantes de toda a bagagem cult que deveria exalar e concentro-me apenas nas roupas. Os Paulistas talvez não saibam mas, em outras cidades, comprar uma peça de roupa que caiba no bolso e converse com as tendências, sem rasgar ou encolher na primeira lavagem, não é tarefa fácil. Não há escapatórias, na nova cidade, sinto o sabor do deslumbramento da relutante menina (quase) do interior.


Os olhos brilham ao avistar a quantidade de vitrines e, por Deus, quero ser, naquele instante, a última blogueira de moda de todos os tempos. Entre botas, calças, casacos, gorros, lenços e peças que não sei nomear, o vozerio dos bares faz trilha sonora constante.


Transição


Por fim, um bip no celular e acordo por alguns instantes da hipnose consumista. Aperto o passo para encontrar meu destino. Viro outra vez a esquina errada. Um letreiro vermelho pisca discreto em minha direção e me convida a entrar. Outra lojinha colaborativa! Enfim, fui tomada pelo frenesi novamente. Calças, blusas, brincos, quadrinhos, canecas e carteiras bordadas à mão. Duas esquinas, três nomes de ruas diferentes, seis bares, uma pizzaria, duas lanchonetes, um vendedor de pipocas, dois carrinhos de milho, cento e cinquenta e sete carros.


A bateria do celular termina e é preciso dizer: é impossível que um forasteiro, por conta própria, mantenha o foco e encontre um boteco certo em qualquer esquina dessa cidade. Por fim, compro uma pipoca, experimento alguns casacos e decido visitar uma exposição. O embrulho verde, sem escolhas, permanece em mãos.


11 visualizações0 comentário

Comentários


bottom of page