Grupos de teatro promovem intercâmbio literário e cênico entre Brasil e Portugal
Inspirados na trilogia literária As areias do Imperador, de Mia Couto, os brasilienses do Teatro do Instante se uniram ao Teatro O Bando (Portugal) e à Fundação Fernando Leite Couto (Moçambique). A união deu origem a um intercâmbio literário e ao espetáculo Netos de Gungunhana, que percorre diferentes países e teve curta temporada no Distrito Federal em janeiro.
O espetáculo mostra a força da experiência do intercâmbio literário nos palcos e conta histórias de guerras e imposições de uma civilização à outra, tema jamais envelhecido. Nesse projeto, os grupos, que têm em comum a língua portuguesa, questionam os colonialismos históricos de todos os dias, os líderes de fachada e as manobras dos poderes na sombra e à vista de todos. O Teatro O Bando mostra, desde 1974, a tradição de adaptar obras literárias de autores da língua portuguesa para os palcos.
Cena do espetáculo: Netos de Gugunhanha
A atualidade dos temas frente ao cenário político brasileiro e mundial torna o espetáculo ainda mais relevante. Diego Borges, um dos integrantes do Teatro do Instante, conta que os escritos de Mia Couto despertaram o desejo de falar sobre o passado, sem esquecer as atrocidades vividas pelos africanos e latino-americanos com a colonização.
Diferentes olhares sobre a obra
“Não podemos esquecer tudo o que nos foi tirado à força e imposto a contragosto. Hoje vivemos em harmonia com esses países que nos colonizaram, ainda bem, mas isso não apaga nosso passado. Então estamos falando de construir um novo futuro sem esquecer o passado”, destaca o ator.
Diego conta que o intercâmbio literário foi difícil, adaptando uma trilogia de cerca de mil e duzentas páginas para uma hora e dez minutos de espetáculo. Para o ator, Mia Couto escreve de maneira única sobre a humanidade. O grupo teve uma experiência intensa ao se reconhecer dentro da história.
Em Portugal, a adaptação feita por Brites tratou de contar a história de maneira mais literal. Enquanto isso, a adaptação brasileira optou por quadros que não necessariamente contam uma só história. Fala-se da guerra, de poder, do amor, da morte, da terra, da pele, das línguas.
Bruno Huca, artista de Moçambique, lembra que o espetáculo trata de colonialismos históricos e os de todos os dias. Trata de imposições civilizacionais e culturais e estéticas, de guerras, de violências contra a raça, contra a mulher. Além disso, fala da violência contra o outro, contra o diferente. Gala dos líderes de fachada, de visões falaciosas da história. De heróis que são tiranos e tiranos que são heróis. Por isso ele é tão atual.
Intercâmbio literário e verdades possíveis
Bruno Huca destaca que a matriz do projeto e da própria obra de Mia Couto se baseia na ideia que não existe uma verdade absoluta. Existem diferentes pontos de vista sobre um mesmo evento.
“Assim sendo, apesar da leitura comum destes três livros, cada grupo criou uma dramaturgia própria. O livro mostra diferentes visões que sugerem um caminho sobre o que se quer falar. As pertinências dos assuntos mudam conforme as geografias e os momentos políticos atravessados em cada local. Cada intercâmbio literário foi diferente nos palcos”, destaca o ator.
Os grupos já se conheciam e a primeira fase do projeto ocorreu à distância. O trabalho teve início com a leitura da trilogia. A segunda fase foi o próprio intercâmbio presencial, composto por três residências artísticas – uma em cada país envolvido.
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