Elas também fazem seus versos
Enquanto as curvas de Brasília transformam a cidade em lugar de grande inspiração artística, mulheres brasilienses lutam pelo espaço no universo literário para escrever e distribuir seus versos. Projetos como o Leia mulheres se espalham na tentativa de ampliar o reconhecimento feminino na literatura e agora, sua extensão, o Leia poetisas, com sua primeira edição em Brasília, no dia 30 de abril, lança-se com o objetivo de levar aos leitores a criação, muitas vezes marginalizada, de poetas em todo o país.
A ideia é ampliar o acesso e conhecimento à poesia, segmento ainda lido, divulgado e publicado em menor número e amplitude. Patrícia Colmenero, uma das criadoras do segmento poético do projeto, é também escritora e acredita que facilitar esse acesso e possibilitar que o público conheça essestrabalhos, é um passo importantíssimo para quebrar o estigma de que a poesia, por brincar com as palavras e a linguagem, não é acessível ou fácil de ser lida por todos.
O Leia poetisas foi criado por Patrícia Colmenero, Karol Bezerra, Glenes Cardoso e Mayara Almeida e escolheu o nome para deixar claro que o grupo de leitura e debates seria focado na produção feita por mulheres. Colmeneto acredita que esse tipo de projeto é importantíssimo para equilibrar as estatísticas entre homens e mulheres na literaturae lembra que este é um problema histórico, já que elas, foram por muito tempo proibidas de escrever.
“Esses projetos são fundamentais, talvez agora com todas essas discussões sobre direitos humanos e feminismo, haja uma abertura um pouco maior, mas isso ainda tem que ser reforçado. O mercado editorial é complicado, é importante fomentar essa leitura e incentivar que as mulheres publicam, seja na internet, em editoras independentes, ebooks, Zines. É um trabalho de formiguinha, mas tem que acontecer”, declara a escritora e produtora.
Marina Mara, importante nome da cultura e poesia brasiliense, lembra que as mulheres tiveram acesso aos estudos há menos de cem anos, fato que influenciou que a produção literário fosse, em sua maioria, feita por homens ao longo dos anos.
“Muita coisa vem melhorando, pois esse boom do feminismo serve também para reeducar nossa sociedade acerca do papel da mulher. O termo poetisa, por exemplo, não foi criado originalmente como o feminino, mas o diminutivo de poeta. Por isso me nomino poeta”, afirma.
A autora acredita que, para incentivar a produção literária atual, deveria ser previsto como política pública a oferta de mais oportunidades para poetas e novas escritoras, além da questão do equilíbrio entre os gêneros, que deveria fazer parte do cotidiano e do fazer poético.
Marina se interessou pela sonoridade dos versos ainda cedo, quando pedia que sua mãe escrevesse as palavras que lhe soassem parecidas. A escritora acredita que o melhor caminho para cada poeta vai depender da produção e do perfil de cada um e ressalta que editoras independentes e editoras por demanda são um bom caminho para quem quer começar a publicar em pequenas tiragens.
Pipocando poesia
O projeto de Manuela Castelo Branco, criado há cerca de seis anos, procura ampliar os espaços da escrita e leitura poética na cidade. Castelo Branco destaca que a ideia é possibilitar um equilíbrio de gêneros e sendo assim, a autora já teve a companhia em seus trabalhos no pipocando de poetas brasilienses como Lilia Diniz, Marina Mara e Noélia Ribeiro.
A escritora destaca que esses projetos devem ser sempre incentivados para ampliar a quantidade de público que tem acesso à poesia e possibilitar que jovens e antigas poetas tenham seu reconhecimento literário. Para a escritora, é importante reconhecer que a poesia, escrita ou recitada, é também um trabalho e não apenas feita por hobbie. “Poucos
escritores conseguem viver do escrevem hoje em dia, a gente tem que se virar de outras maneiras”, destaca.
Nova geração
A poeta Julianna Motter, 24 anos, faz parte da nova geração de escritoras brasilienses, que além de ocupar o espaço das ruas e dialogar com a cidade através de seus versos, utiliza as redes sociais para aumentar o seu alcance. A escritora, que cresceu em uma família envolta pela arte das palavras, ressalta que todos os espaços são menores para as mulheres e que é de extrema importância incentivar moças e meninas a não se sentirem intimidadas em publicar, escrever ou recitar; ampliando sua produção poética e literária e a presença de novos nomes no circuito poético de Brasília.
Para ajudar no fomento dessa produção feminina, a escritora destaca: “Essa ideia de ler mulheres na poesia já nos dá uma chance de nos colocar por aí, então é importante criar mais iniciativas nesse sentido, mais saraus e eventos voltados para a produção feminina, mais respeito de parte da comunidade literária. Quantas poetisas você leu no ano passado? Acho que questionar mesmo essa marginalização da mulher não só dentro da poesia, mas na literatura como um todo, e propor debates, lugares, compartilhar, mapear, distribuir”.
Motter destaca que o exerício da escrita, além da dedicação e sentimentalidade, são importantes aliados e conta ainda que as mídias sociais foram um espaço aliado, possibilitando que sua poesia chegasse ao público e que os leitores pudessem sempre trocar ideias e construir uma relação mais íntima.
“Recebo muitas mensagens carinhosas, muitos abraços. A internet me possibilitou estar em Curitiba, São Paulo e Goiânia estando aqui. Ou estar nesses lugares e ser abordada por alguém que me lê estando há centenas que quilômetros”, conta a autora.
Outro espaço em que sua construção poética encontrou espaço foi o das ruas, muros e outros pontos de transição da cidade, que se tornam muitas vezes depreciados ou, até mesmo, invisíveis.
“Todo mundo tem direito a ter acesso À arte. A minha poética é da rua, ela caminha a W3 inteira a pé para se encontrar, ela gosta de pedalar pelo Eixão, pela L2, de passar umas horas no Setor Comercial Sul, subir para a Torre e comer um acarajé. Minha poesia é para ganhar vida em gente, não para morrer num livro”, conta. Seu trabalho com os lambe-lambes espalhados por Brasílias nasceu em conjunto com Alyssa Volpini, que ilustra as poesias de Motter e cria versos ilustrados que se expandem entre Brasília, Goiânia, Pirenópolis, Curitina, Buenos Aires e onde mais for possível chegar.
(Matéria originalmente escrita por mim para o jornal Correio Braziliense)
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