Coletivo Marianas – Escritoras em pauta
Hoje oCiclorama traz uma entrevista com Andréia Carvalho, do Coletivo Marianas, mais uma das iniciativas atuais para estimular a produção e expansão da literatura feita por mulheres. Os projetos possibilitam que diversas autoras sejam lidas e reconhecidas e que mais meninas se sintam estimuladas a trabalhar profissionalmente com a escrita. O objetivo é equiparar a questão de gênero na produção literária e mostrar os nomes femininos que estiveram escondidos das estantes por muitos anos.
Confere aqui o site do projeto de hoje: http://www.coletivomarianas.com/
Informações sobre os próximos lançamentos do coletivo: http://www.mallarmargens.com/2017/03/lancamento-do-2-box-da-colecao-marianas.html
Andréia Carvalho é autora de 5 livros de poesia e trabalha com ações culturais no Coletivo Marianas.
Quando e como foi criado o Coletivo Marianas?
Em maio de 2014 fiz uma chamada em rede social para unir mulheres artistas, que residiam em Curitiba. Reunimos um grupo disposto a realizar ações que divulgassem o trabalho cultural realizado por mulheres. Usávamos o slogan “Meninas que escrevem em Curitiba” e realizamos diversos eventos (saraus, récitas e intervenções artísticas) pela cidade e pelo estado. Resolvemos também compartilhar nossas produções entre o grupo (livros e escritos não publicados). Em 2015 criamos o Coletivo Marianas, com integrantes que se posicionassem também politicamente pela causa feminista.
O nome do coletivo é uma referência à Mariana Coelho (educadora, jornalista e escritora), que escreveu, entre outros, o livro “A Evolução do Feminismo: subsídios para a sua história”, 1933, reeditado pela Imprensa Oficial do Paraná em 2002. Continuamos com as atividades culturais e com o auxílio da editora Bolsa Nacional do Livro, coordenada por Vera Albuquerque (integrante do grupo), criamos um selo para publicar livros das participantes do projeto. Já temos 21 livros publicados com esta parceria, onde todo trabalho de diagramação, editoração, fotografia e autoria, são executados por mulheres.
Por que motivos projetos como este são importantes para as escritoras? Acredita que essas iniciativas têm ajudado a aumentar a visibilidade da produção literária feita por mulheres?
São fundamentais, porque a pauta feminista deve ser realizada integralmente pelas protagonistas. O destaque favorece o equilíbrio necessário para que os cânones estipulados pelo pensamento patriarcal sejam revistos. O trabalho cultural produzido por mulheres ainda é considerado “menor” e “adjacente”. Quando nos unimos para revelar a quantidade de cultura produzida por mulheres, estamos oportunizando e respaldando a pesquisa que é filtrada e “ditada” pela hegemonia masculina.
Acredita que atualmente ainda seja grande a diferença de alcance e reconhecimento entre escritores e escritoras ou esse cenário já mudou? Ainda existe preconceito em relação a questão de gênero na literatura?
Ainda existe a diferença de reconhecimento, pois toda crítica cultural ainda tem como base os mecanismos teóricos ou sociais que validam a produção masculina. O estigma de que a mulher só escreve ou produz arte como passatempo emotivo e confessional está enraizado na mentalidade de muitos homens e mulheres. Como exemplo real, citaria uma reportagem sobre uma antologia escrita apenas por autoras mulheres, onde o jornalista nos perguntou se era escrita para leitoras mulheres. Isto faz parte do imaginário de muitos leitores e leitoras. Não há diferença de produção literária ou artística entre gêneros e transgêneros, considerando a relevância cultural. Somos seres culturais, homens, mulheres e transgêneros.
O que poderia ser feito para que a literatura produzida por mulheres tenha um alcance cada vez maior, a ponto de alcançar paridade com a produzida por homens?
Disponibilizar e realçar a produção de mulheres, até o ponto em que o leitor ou pesquisador possam ter acesso e conhecer o que temos produzido (o que não é pouco). O destaque para a produção masculina é regra na sociedade, como se apenas eles tivessem autoridade no assunto. Sabemos que não é verdade e é só lembrar de todo ofuscamento do trabalho feminino que aconteceu durante séculos, tanto na área da ciência como na área cultural, entre tantas outras. Mulheres sempre produziram cultura, só não estavam “publicadas” ou divulgadas, ou então estavam muito ocupadas apenas (ou forçosamente) em manter os lares e escolas como alfabetizadoras, educadoras do lar e “faxineiras”. Ser mãe e mantenedora da ordem do lar não impede que a mulher também seja vista como produtora de cultura. Como ser produtor de cultura, para um homem, não o impede também de manter o lar “limpo” e cuidar dos filhos. Os direitos e obrigações são equivalentes. Entender e lutar por este reconhecimento mútuo ajudará em muito a paridade.
Acha que os livros escritos por mulheres ainda são vistos de maneira diferentes? Que temas são abordados e discutidos nos encontros e debates do projeto?
São vistos de maneira diferente, porque os leitores imaginam que mulher escreve apenas sobre romances ou sobre suas confissões afetivas. Não há problema nenhum nisto quando o livro é produzido por um homem, e conheço muitos autores que tem este “estilo”. Porque eles são considerados escritores quando são afetivos ao extremo do rosa-choque e mulheres não? Até minha mãe me questionou quando disse que publicaria meu primeiro livro de poesias. Ela me disse: mas você nem é romântica. São desencontros assim que depreciam ou distorcem o conteúdo cultural produzido, classificando-os para este ou para aquele gênero. A literatura é universal. Discutimos ações que validem a produção cultural de mulheres em debates do coletivo. É nossa pauta principal.
Como tem sido o envolvimento com as mulheres participantes? Nota alguma mudança?
O envolvimento tem sido extremamente produtivo, porque até integrantes que não acreditavam que seus “cadernos de gaveta” pudessem ser considerados cultura, estão agora entendendo que arte é um conceito social que precisa ser trabalhado, desacreditado e testado. Elas, em conjunto, têm o apoio de outras. O coletivo nos favorece, pelo empoderamento. A maior satisfação é perceber que mulheres estão dispostas a mostrar os seus trabalhos, sem se penalizar antecipadamente por julgamentos pré-estabelecidos pela sociedade patriarcal.
Você costuma ler mais livros escritos por mulheres atualmente? Busca esse filtro na hora de escolher suas leituras ou procura ler independente do gênero?
Atualmente sim, pois notei que também falhava quando considerava apenas o que haviam me ensinado na escola ou na mídia. Percebi que só validava o trabalho de escritores e poetas, tendo pilhas de livros deles. Agora priorizo o trabalho literário de mulheres, para equiparar a minha coleção de livros na estante e na mente. Nunca diria que mulheres escrevem melhor que homens ou vice-versa e nunca escolheria pelo gênero. Só estou equilibrando minhas próprias coleções e me possibilitando ouvir o que as mulheres têm a dizer, já que nunca as ouvi sinceramente enquanto leitora. Também cansei da visão machista que os escritores homens nos fornecem através de suas personagens femininas. Gosto de ler o que uma mulher diz “do que é ser mulher”, pois identifico-me confortavelmente com o discurso delas sobre elas, muito mais do que com personas líricas adúlteras, fracas, submissas e sempre girando ao redor da aceitação e do imaginário masculino, padrão na literatura produzida por cânones do passado, por exemplo. Leia poetas mulheres e perceberá a diferença. Cito a poesia, pois é meu gênero literário favorito e mais pesquisado.
Qual sua autora preferida?
Tenho muitas, do passado e do presente (e misturo tudo aqui): Gilka Machado, Hilda Hilst, Marosa di Giorgio, Natália Correia, Sylvia Plath, Florbela Espanca, Alexandra Kollontai, Mina Loy, Adélia Prado, Carolina Maria de Jesus, Francisa Júlia, Adriana Zapparoli, Rosana Piccolo, Patrícia Claudine Hoffmann, Nydia Bonetti, Fátima Vale, e outras autoras que acompanho pelas revistas mallarmargens e zunái e pelo Coletivo Marianas. São muitas, inclusive as que ainda nem tem livro publicado, mas que acompanho pelas redes sociais e as que me mostram seus caderninhos.
Aproveita e confere aqui nossas entrevistas com autoras de outros projetos:
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