Carolina Maria de Jesus – Um resgate literário necessário
Atualizado: 5 de fev. de 2021
No dia da consciência negra, lembrei da luta cotidiana de tantas autoras que trabalham para tentar equiparar a produção e visibilidade literária entre os gêneros. Pensei então o quanto é ainda mais difícil a conquista literária para mulheres negras, como Carolina Maria de Jesus, e de como conhecemos poucos nomes no Brasil. Lembro hoje de uma autora periférica e conto com a ajuda de duas autoras brasilienses para falar sobre o tema.
Em 2017 a Universidade Federal do Rio Grande do Sul incluiu em suas leituras obrigatórias para o seu vestibular de 2018 o livro da escritora Carolina Maria de Jesus. A inclusão do livro entre a lista que chega a milhares de jovens reacende algumas polêmicas que envolvem a obra da escritora.
Ela é considerada uma das primeiras e mais importantes autoras negras do Brasil por alguns. Mas Carolina Maria de Jesus tem, mesmo com diversas obras publicadas, seus escritos contestados por parte de acadêmicos, que consideram que seu livro, Quarto de despejo – Diário de uma favelada, não poderia ser considerado literatura.
Carolina Maria de Jesus e a literatura na história
Ao lado de Machado de Assis, Clarice Lispector, José Saramago, Camões e alguns outros pesos-pesados das letras lusófonas, Carolina Maria de Jesus (1914-1977) integra também a lista de leituras exigida pelo vestibular de 2019 da Unicamp. O livro relata o dia a dia de uma mulher negra e favelada. Ela que vivia a recolher e vender papéis recicláveis.
Sua escrita é pessoal e não segue os padrões gramáticos que costumam ser aceitos pela academia.
Sua obra leva aos leitores uma realidade pouco registrada entre as páginas literárias, possibilitando que se abram novas reflexões a respeito das desigualdades sociais que nos cercam. A escritora caiu no ostracismo com o passar dos anos, mas é inegável que sua obra é um importante referencial para os estudos de literatura e cultura brasileira, representando a força de nossa criação afro-brasileira.
Entre as autoras da nova geração que utilizam a literatura como meio de resistência, está a poeta brasiliense Meimei Bastos e a escritora Cristiane Sobral. Para Sobral, a poesia existe para resignificar a realidade, com suas potências sensoriais, para mudar a ordem. “A arte poética pode protestar, amar, seu poder é inesgotável”.
A militância atual
Cristiane Sobral – Uma das importantes vozes na literatura brasiliense
Sobre ser uma escritora negra atualmente, a autora destaca que há muito trabalho a fazer. Principalmente no campo da invenção, considerando o racismo e a experiência negra em nosso país. “O ponto de vista da negritude na literatura convoca a todos os leitores do planeta. Isso me motiva. Temos muitas histórias para contar, cabeças para emponderar, corações para convocar, muitos interditos a romper”, afirma Sobral. Para ela, não é preciso que outros universos temáticos e diferentes perspectivas estejam presentes em nossa literatura.
“Sua literatura é conhecida e muito vendida em outros países, mas ainda é questionada no Brasil. A quem interessa que ela não seja considerada escritora? A quem interessa que as obras da literatura afro-brasileira, que denunciam o racismo, não sejam consideradas literatura?”.
Literatura universal?
A autora destaca que a chamada literatura universal não inclui muitos grupos minoritários e a abertura do mercado é essencial. Esses autores vêm para contribuir com outros conceitos, criando personagens que protagonizam suas próprias histórias.
“O leitor quer conhecer essa diversidade e esses outros pontos de vista. A literatura é um espaço de poder. Ela não inclui ainda o ponto de vista dos ‘vencidos’ segundo a história oficial”.
Meimei Bastos, poeta atuante na jovem cena do DF, conta que a obra de Carolina é uma referência para seus próprios escritos. Quando teve contato pela primeira vez com Quarto de despejo, a poeta soube que uma mulher negra e periférica pode também produzir literatura. “Ela abriu caminhos difíceis e não escreveu apenas um diário. É muito bom ler e é melhor ainda se ler nas histórias, encontrar esse espaço de reconhecimento”.
Sua obra desperta muita admiração em escritores da periferia ainda hoje e abriu caminhos para mulheres como eu, por exemplo”. Para Meimei, a obra da escritora foi reduzida por muitos anos e agora tem sido resgatada. “Ainda existe um racismo estrutural. Esse é o principal ponto que fez sua obra não ter sido valorizada no passado”, afirma. É importante que milhões de brasileiros pretos e pardos encontrem espaço. A literatura negra e periférica faz parte de toda a literatura brasileira. Ela possibilita que aqueles que, de fato, estão como protagonista, contem suas histórias.
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