Arte a serviço da inclusão social
“Penso que assim devem ser os magos pedagogos: devem fazer a mágica para que nos encantemos e devem depois ensinar-nos como se faz o truque. Também devem ser assim os artistas revolucionários: devem fazer arte, e devem ensinar ao público como fazê-la, para que, juntos, a utilizem todos”.(Augusto Boal)
Inspirado na criação e nas técnicas desenvolvidas pelo fundador do Teatro do Oprimido o escritor Antonio Luis Quadros Altieri lança o livro Cultura de Augusto Boal, em que o leitor poderá se sentir imerso no fazer artístico a partir do teatro fórum e nas transformações que ele possibilita. Em seu percurso Boal exerceu a função de artista e intelectual, tratando o teatro como arte revolucionária e instrumento de mudança. Os leitores serão levados a um mergulho intenso nos processos criados por Boal e sua importância para a construção e prática do teatro brasileiro. Podendo ser utilizado como ferramenta de trabalho político, social, ético e contribuindo de maneira essencial para a transformação da sociedade.
Além de escritor, Antonio Altieri é ator, professor e coringa – termo utilizado para os replicadores do teatro do oprimido. Suas primeiras experiências com as técnicas criadas por Boal aconteceram quando foi orientador de grupos de jovens e adolescentes no presídio do Carandiru e ainda junto a presidiárias em grupos na periferia de São Paulo. Lá o escritor vivenciou um tempo de aprendizado e realizações que, segundo ele, trazem conexões com as origens do teatro do oprimido. A experiência prática veio com o próprio Augusto Boal, na década de 1980. Empenhado em estudar mais a fundo as técnicas Altieri voltou seus estudos e sua tese de mestrado para o teatro do oprimido. “Imerso na pesquisa meu interesse por Augusto Boal só cresceu. Encontrei com esse sujeito a história de tanta gente, sem ter podido conversar com ele pessoalmente. O universo que se abriu foi revelador de um homem de ação interessado e de um descobridor. Era assim que ele se considerava: um descobridor do teatro, do mundo, da política, da ética e da estética”, afirma.
Silvia Paes é atualmente diretora na faculdade Dulcina de Moraes e uma das mais importantes coringas brasilienses e conheceu Augusto Boal quando ainda era estudante de artes cênica na UnB, em 1997. Anos depois a professora teve a oportunidade de participar de um projeto com o criador do Teatro do Oprimido em que o objetivo principal era expandir o trabalho e as novas técnicas de Boal, formando multiplicadores em vários estados. “O objetivo do projeto era que em todos os estados do Brasil fosse multiplicado essa técnica do teatro do oprimido. Então ele trabalhava com 13 coringas lá no centro do teatro do oprimido, que funciona na Lapa, no Rio de Janeira e esse grupo se dividiu em duplas e percorreu todos os estados brasileiros fazendo esse trabalho de multiplicação”, afirma.
O curso de dois anos para formar os novos multiplicadores era constituído por três etapas: na primeira etapa a dupla ia até o estado e acionava pontos de cultura, artistas, pedagogos, pessoas que estavam em centros comunitários; no momento seguinte os multiplicadores relatavam como foi aplicar a nova metodologia e, finalmente, na última fase, todos montavam uma apresentação assistida pelo próprio Boal. “Em Brasília essa apresentação aconteceu em 13 de março de 2008 no Museu da República. Ele assistiu a apresentação do grupo de 40 pessoas e eu continuo aplicando até hoje”, conta Paes. A professora continuou o trabalho ao longo dos anos e hoje, quase 10 anos depois, coleciona experiências com oficinas de teatro fórum – uma das vertentes do teatro do oprimido – aplicadas na UnB, Dulcina de Moraes, Riacho Fundo, Estrutural e Planaltina; entre menores infratores, adolescentes em situação de risco e tantas outras comunidades.
Silvia Paes afirma que o teatro fórum é uma ferramenta extremamente importante para a inclusão social, porque as pessoas se percebem e em segundo lugar, porque as situações de opressão são passíveis de mudança. “As técnicas de Boal são muito eficientes nesse sentido. A gente percebe que Teatralizando conflitos, a gente consegue percebê-los de diferentes formas e fazer uma intervenção. Não trazemos nada de fora no teatro fórum, produzimos tudo a partir de histórias trazidas pelo grupo. Essa é uma grande eficácia do teatro fórum e os participantes percebem que podem solucionar os conflitos e que eles não são os únicos a passar por aquilo. É um processo de mudança, de protagonismo e de solução de problemas”, afirma a professora. Sonia conta que sua dissertação de mestrado é baseada em todo o percusso traçado com as oficinas aplicadas a partir do teatro fórum e defende que ele é extremamente importante para o desenvolvimento do protagonismo juvenil e para tornar o cidadão mais crítico.
“Já trabalhei com menores infratores, adolescentes em situação de risco e já tive relatos que depois das experiências com o teatro do oprimido eles se tornaram mais críticos e reflexivos com a sociedade em que vivem. Não é uma utopia, a gente realmente utiliza da linguagem teatral para trabalhar essas mudanças nítidas não só nos grupos mas nos indivíduos com que trabalhamos”.
(Silvia Paes)
Quem é Augusto Boal?
Augusto Pinto Boal (Rio de Janeiro RJ 1931 – idem 2009). Diretor, autor e teórico. Por ser um dos únicos homens de teatro a escrever sobre sua prática, formulando teorias a respeito de seu trabalho, torna-se uma referência do teatro brasileiro. Principal liderança do Teatro de Arena de São Paulo nos anos 1960. Criador do teatro do oprimido, metodologia internacionalmente conhecida que alia teatro a ação social.
O que é teatro invisível? Ele não é revelado como teatro e é realizado no local onde a situação encenada deveria acontecer, surgiu como resposta à impossibilidade, ditada pelo autoritarismo, de fazer teatro dentro do teatro. Uma cena do cotidiano é encenada e apresentada no local onde poderia ter acontecido, sem que se identifique como evento teatral. Desta forma, os espectadores são reais participantes, reagindo e opinando espontaneamente à discussão provocada pela encenação.
Augusto Boal sob os olhos de Antônio Luís Altieri
O livro é dividido em capítulos denominados pelo escritor como estruturas de sentimento. Os termos estruturas de sentimento são emprestados de Raymond Williams e de acordo com Altieri são significados e valores tal como são sentidos e vividos ativamente. “Para que esse percurso seja oferecido ao leitor, busco dialogar com a autobiografia de Boal, entrevisto alguns dos coringas formados em contato com ele, esboço a apresentação da extensão do trabalho de um desses coringas com um grupo de jovens, por meio de um estudo de caso e me debruço sobre o movimento que ocorreu de lá para cá: do princípio no bairro da Penha, no Rio de Janeiro, passando pelo Teatro de Arena em São Paulo, entrando na cela da prisão política, viajando pelos países do exílio, retornando até o Centro do Teatro do Oprimido nos arcos da Lapa e desembocando na zona Oeste de São Paulo, no Jardim Educandário”, afirma.
Ainda de acordo com as ideias do escritor, Augusto Boal caminhava para algo diferente do que se refere apenas à inclusão. O signo escolhido por Boal seria o da opressão, o da arte como algo que pode levar grupos e indivíduos à desopressão e resolução de problemas. A arte, assim, poderia proporcionar tanto o fazer, quanto o aprender a fazer. Ou seja, passando pela experiência artística, é possível adquirir os meios necessários para a mudança e tomar posse dessas transformações. Boal desejava que os participantes de seus processos tomassem posse dos meios de produção. Tinha uma perspectiva revolucionária. É disso que se trata Augusto Boal e é isso que ele tenta, insistentemente, propiciar.
O escritor responde
Após aprofundar seus estudos sobre Augusto Boal, Antônio Luis Altieri sentiu-se cada vez mais conectado às vivências e vivências que surgem a partir da multiplicação de seu teatro. Juntando experiências sensoriais, intelectuais, estudantis, professorais e como mediador de aprendizado, o teatro fórum teria significado uma importante ruptura e o surgimento de uma nova conexão entre palco e plateia.
Acredita que o Teatro do Oprimido pode promover mudanças sociais e comportamentais?
“Acredito. Tive a possibilidade de acompanhar as mudanças que ele causou em, pelo menos, quatro coringas que entrevistei a fim de elaborar histórias de vida como parte de minha pesquisa. Esses quatro ele modificou. Além disso, pude também acompanhar um grupo de jovens e adolescentes do Ponto Educandário de Cultura, no Jardim Educandário, região periférica da zona oeste da cidade de São Paulo e as mudanças que foram ocorrendo durante o desenvolvimento de todo um trabalho com o Teatro do Oprimido. Creio que modificou os outros tantos coringas com os quais trabalhou e que estão espalhados pelo Brasil e pelo mundo praticando Teatro do Oprimido. Veja bem, trata-se de gente de lugares os mais diversos e de diferentes e por vezes conflituosas culturas. Falo de Israel e do Líbano, da Índia e do Paquistão, da Venezuela e dos Estados Unidos, e também de Portugal, da Itália, da Suécia. Agora mesmo, nesses dias, há um grupo indiano que se instalou no CTO do Rio de Janeiro para realizar apresentações de Teatro Fórum e trocar experiências.
Veja-se que na Índia o T. O. foi usado para promover a mudança comportamental dos participantes populares com relação a AIDS. Há também o trabalho desenvolvido nos presídios, inclusive pela pastoral carcerária, tratando de alterar as relações ou, pelo menos, interferir nos tratos entre carcereiros e presos, e entre presos e presos. Um dos xodós do Augusto Boal foi o trabalho desenvolvido junto ao MST.
A isso tudo deve se agregar o importante trabalho realizado junto aos centros de atendimento às pessoas com algum tipo de necessidade especial, os CAPS, como o de Guarulhos, em São Paulo, por exemplo. Trabalhos relacionados à mente ou ao trato psiquiátrico. Trabalhos que buscam renovar as relações entre atendentes, enfermeiros, médicos e pacientes. Há ainda outra perspectiva que merece ser analisada: as técnicas do T. O. se incorporaram aos movimentos e manifestações sociais. Reitero, sem trocadilhos, sinceramente e também pautado em evidências creio que sim; o nosso teatro de Augusto Boal pode promover mudanças sociais e comportamentais sinceras”.
Confira trecho de entrevista com Augusto Boal
Por Isabella de Andrade: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2016/06/29/interna_diversao_arte,538237/livro-desvenda-os-processos-de-augusto-boal-criador-do-teatro-do-opri.shtml
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