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Foto do escritorIsabella de Andrade

Ainda

Sinto falta de lhe falar, Clarissa. De lhe dizer todas as coisas que devem ser ditas a quem nos arranca pela raiz as coisas todas. Sinto falta da tua existência velada e de toda a possibilidade de criação que me aparecia ao teu conforto. Suspeito que tua falta de tato, misturada ao meu excesso de descompasso, tenha criado nossa própria mania de caminhar em ilusão. O silêncio vicia, já te disse?O tempo era farto, Clarissa. Eram fartas as possibilidades e eu tive a certeza plena de que os dias não haveriam de passar. Mas passaram, menina. E  me pego a buscar teus olhos por aí, atribulado pela sensação  de desconhecimento dos tempos que mudaram. Não sei o que passa a quem me passa ao redor. E os dias passaram, menina, como não haveriam de passar? Te juro, não caberíamos mais naquela pele nova de antes, tinha um ar de coisa doce e lustrosa. Antes que arrancássemos ao dente o pouco dela que nos restou. Tu tinha um gosto de novidade que me fazia correr sem certeza alguma de onde iríamos chegar. Ouvi dizer que alguns sabores viciam e ando a buscar novidades a todo instante. O silêncio vicia, já te disse?

Reinventar o tempo enraizado dentro da própria sensação de verdade. Todas as vontades esbarram-se entre a palavra de antes e os olhos firmes de agora. O silêncio não mais nos pulsa como ponto constante de desequilíbrio, mas nos toca imperdoável, como estadia fiel do próprio estado de tentar equilibrar-se. Buscamos a permanência do lugar reconhecido como porto, antes que se perca a instabilidade reconhecida como companhia constante do tempo de antes, agora e qualquer que seja. Somos o movimento incessante das próprias descobertas. Nem mesmo a tua ilusão é a mesma quando frequenta os olhos de agora. Transição. Os olhos da gente são modificados sem piedade, Clarissa e enquanto isso, a gente tenta enxergar o desconhecido de antes. Era bom ver sem saber antes o que seria.  As salivas se esbaldavam pelo gosto salgado do desconhecido. Ainda que a gente tenha se esquecido dos atalhos, te juro, menina, deve ser possível fechar esses olhos e tocar o céu.

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